Uma
mulher tão solitária
Ledice Pereira
Nora era uma mulher solitária. Desde
que nasceu morava na casa que herdara de seus avós, há 65 anos.
Nunca havia modificado nada ali. Eram
os mesmos móveis, as mesmas plantas, os mesmos enfeites. Um verdadeiro museu.
Uma diarista vinha lhe fazer a faxina
maior, uma vez por mês. No mais, ia tapeando como podia e, logicamente, a casa
cheirava a mofo e pó.
Era filha única e a família se resumia
a uns primos distantes que mal via.
Suas saídas resumiam-se ao mercadinho
da cidade, onde tinha uma conta que pagava mensalmente, e à igreja que frequentava às vezes.
Vestia-se de maneira sóbria e sem
modernidades. Tinha parado no tempo.
Uma única amiga a visitava,
esporadicamente.
O jardineiro podava as árvores do
quintal a cada três ou quatro meses.
Lecionara, por trinta anos, na escola
municipal, onde se aposentou há quinze.
Vivia dessa aposentadoria e de uma
herança que deixaram seus antepassados.
Vida triste, cheia de lembranças que
ela preferia esquecer.
O domingo amanheceu escuro e triste.
Era fim de outono e o inverno se anunciava. Uma chuvinha caia ininterrupta o
que contribuía para que Nora não fosse nem ao jardim.
“Ah meu Deus, mais um dia escuro na minha vida. O Senhor
sabe como detesto tempo assim. Me dá uma nostalgia, uma vontade de hibernar, de
me esconder debaixo das cobertas. O Senhor deveria ter pena de mim. O que ainda
estou fazendo aqui? Não tenho ninguém, não sirvo pra nada”.
E Nora desceu para a cozinha, fez seu
café e o tomou com o pão amanhecido. Tomou seus remédios para depressão e ligou
a TV na sala.
“Domingo não tem nada pra gente assistir. Detesto esses
programas de auditório, de música, de culinária”.
A única coisa de que gostava era livros.
Fizera uma assinatura e recebia em casa toda sorte de livros e os devorava.
Mas, naquele domingo, nem os livros
serviram pra tirá-la daquela depressão.
E, novamente, vieram-lhe as imagens
daquele dia em que Joana foi atingida por uma raquete, que resultaram em cinco
pontos no supercílio.
“Eu deveria ter sido mais amiga de Joana. Afinal, éramos tão
chegadas. Eu fui desleal. Deveria ter acusado Jorge daquele golpe traiçoeiro. Acho
que ele estava despeitado porque ela não aceitara seu pedido de namoro.
Acontece que ela preferia estar comigo. A gente se entendia tão bem. Gostávamos
de passear juntas, de ir à biblioteca e depois parar pra tomar um lanche
naquela lanchonete. Ficávamos horas conversando e nem sentíamos o tempo passar.
Como era mesmo o nome daquela
lanchonete?
Nem me lembro mais. Faz tanto tempo!
Mamãe não gostava daquela amizade tão
chegada. Acho que ela percebia que existia algo de estranho.
Se fosse nos dias de hoje não teríamos
problemas, mas naquela época... Gostaria tanto de encontrá-la, saber o que anda
fazendo, se casou ou, como eu, ficou solteirona. Gostaria de poder dizer a ela
que nunca a esqueci. Que ela continua tomando conta do meu coração.”...
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