A epopeia de Pedro, o baiano.
Fernando
Braga
Pedro nasceu em Aporá, um vilarejo
baiano ligado por uma pequena estrada vicinal de terra, a quatro horas de
Salvador, e três de Feira de Santana.
Seu pai, Otacilio Mendonça, havia desparecido quando ele não tinha mais que 8 anos,
e já fazia mais de dez anos que não se tinha nenhuma notícia dele, foi então dado
por morto.
Vivia com sua mãe e um irmão menor em
uma pequena área rural de 2 hectares a três quilômetros da vila, que seu pai
lhes deixara. Tinha uma casa pequena de quatro cômodos, sem luz ou água
encanada, tinham alguns porcos, três vaquinhas, um cavalo, um pequeno pasto,
plantação de milho e ainda um pomar com cajueiros e mangueiras. Tudo isto, suficiente
para viverem uma vida miserável e pobre, quando chovia. Mas na seca até a Lagoa Aporá junto à cidade chegava a secar, e vinha o desespero dos habitantes. Foi em uma
destas secas, que seu pai desapareceu, deixando sua mãe com os dois filhos
pequenos.
Ele saiu a cavalo dizendo que ia até o
vilarejo e após 4 dias ainda não havia voltado. Sua mãe procurou a pequena
delegacia da cidade. Otacílio foi procurado e não encontrado nem mesmo o
pangaré. As suposições eram de que havia sido morto, o corpo desaparecido, o
cavalo roubado ou ainda, uma possibilidade mais remota, de que havia tudo
abandonado e fugido, o que não era raro.
Otacilio havia se casado com a Rita em
Lagoinha, uma cidadezinha próxima, com atestado em cartório e pequena cerimônia
em igrejinha.
Pedro agora com 18 anos substituía o pai
dedicando-se aos pequenos afazeres rurais, ajudando sua mãe “pau pra toda obra”.
Estudou em uma escola rural, onde aprendeu ler, escrever, um pouco de
matemática, história e geografia do Brasil. Pouco se lembrava do pai, mas a
fisionomia ele conhecia bem, porque não se cansava de ver a fotografia do
casamento deles, colocada em uma prateleira. Sua mãe com o tempo aceitou bem a
ausência do companheiro, mas quando lembrava, sabia que ele havia ido embora, pois
parte de suas roupas haviam sumido desde que se ausentou.
Pensava:
— Se
foi embora é porque não gostava de mim, mas me deixar sozinha em dificuldade, e
ainda com dois filhos, é uma covardia.
Ele
devia estar com 48 ou 50 anos. Ela estava com 46 e sentia-se cansada, mas não
desanimada. O tempo havia sido cruel com ela, pois o trabalho naquele sol
castigante, torrificante que destruiu sua pele, agora um tanto enrugada e já
parecia de idade.
Quando Pedro tinha 25 anos, encontrou
em Aporá em ex-colega da escola rural, que contou que esteve em São Paulo com o pai, por coincidência viram alguém
muito parecido com Otacilio que passava apressado em uma rua movimentada do centro. Quiseram
segui-lo para conversar, mas naquela multidão perderam-no de vista. Tinham
certeza absoluta tratar-se dele, que parecia bem disposto, mas bem gordo. Pedro
resolveu falar com o pai de seu colega, que confirmou, jurando com os pés
juntos que tinha certeza, de que a pessoa que vira, tratava-se do pai de Pedro.
Pedro nada contou à sua mãe e irmão, mas
começou a colocar na cabeça a ideia de ir em busca de seu pai em São Paulo.
Ajuntou um pouco de dinheiro fazendo alguns bicos na vila e um belo dia decidiu
tomar um pau de arara a caminho da capital paulista, jurando à sua mãe que
voltaria em um mês.
Chegando em São Paulo pegou uma
pensãozinha barata e ia para as ruas do centro, na esperança de ver seu pai
cruzando em alguma rua. Logo percebeu que aquilo era impossível. A conselho dos
donos da pensão, foi procurar um serviço social, que o ajudasse a localizar
Otacilio Mendonça, cor negra. Eram muitos com este nome. Lá comunicaram que um
homem negro com este nome, havia sido
localizado em Mirassol, uma pequena cidade do noroeste paulista. Contudo, não
conseguiram o endereço de sua residência.
Tomou um trem e foi em busca de seu
objetivo. No dia seguinte, foi até o centro da cidade começou aqui e ali,
perguntar se conheciam um tal de seu Otacílio. Em um bar central, recebeu a
seguinte resposta:
—
Você tá falando do Tacílio, um gordo de cor que é corretor de fazendas?
—
É dele mesmo. Como posso encontrá-lo?
— Olha, ele vem muito aqui, toma café e umas
cervejinhas com vários fazendeiros, sentado nas mesinhas da calçada. Ele é o
preto mais famoso da cidade, o maior corretor de fazendas da região. Amanhã, sábado,
se você estiver por aqui às 11 horas, é certeza que vai encontrá-lo.
— Ele mora a quatro quarteirões daqui na Rua
Princesa Isabel, não sei o número, mas é uma bela casa térrea, com um grande
jardim na frente. São 10 minutinhos para ir até lá.
— Você
o conhece? Ele tem duas filhas bonitas e um filho que se formou dentista, o
Bento, nego forte e rico.
Saindo, Pedro foi sentar-se em um banco
de jardim, debaixo de uma árvore frondosa e começou a meditar:
—
Será que este cara é o meu pai? Falaram que ele é corretor, que é rico! Não
pode ser ele. Deve de ser outra pessoa, mas vou dar um pulo até a casa para ter
certeza.
Era um fim de tarde muito quente. Pedro
foi caminhando e logo viu a casa que havia sido indicada. Toda branca, com um jardim enorme e bem cuidado. Parou
em frente e de repente o portão da garagem se abriu, saindo um carro bonito, com
duas mocinhas dentro, uma delas guiando e com muita pose. Pensou:
—
Serão filhas do Otacílio? Será que são
minhas irmãs? Elas tem o cabelo liso, será
que esticaram o bestunto? Não são pretas, mas mulatas. Acho que vou embora, não
deve ser ele.
Mas, com coragem, tocou a campainha e veio
uma empregada atendê-lo na frente.
— O que o senhor quer?
— Eu só queria saber se o seu Otacílio mora aqui
e não precisa de alguém para cuidar do jardim. Estou precisando de um emprego.
— O senhor precisa falar com a mulher dele.
Ela deve saber. Espera um pouco aí.
Logo veio uma senhora branca, bem apessoada, também um pouco gorda que se
aproximou e perguntou:
—
Você é jardineiro? O nosso foi embora e realmente precisamos de outro.
—
Olha dona, eu sempre mexi com plantas, não sei se sou muito bom, mas posso
aprender rápido.
— Vou falar com meu marido e lhe dou uma
resposta amanhã. Ele agora não está, saiu para ver umas fazendas.
— Qual o seu nome?
— Meu nome é Pedro Gonçalves, venho do
Mato Grosso e preciso muito de trabalhar. Me ajuda!
— Volte aqui amanhã cedo.
Novamente cogitou consigo mesmo:
— Será
meu pai? Será que casou com esta branquela? E a minha mãe que está viva? Será
que ele podia casar duas vezes? Definitivamente não pode ser ele. Se o visse, será
que o reconheceria através do retrato de casamento, que trago comigo? Vamos
ver, amanhã vamos tirar as dúvidas!
Voltou no dia seguinte, tocou a
campainha e logo foi atendido pela empregada, que pediu que entrasse para falar
diretamente com o seu Tacilio, que estava tomando o café na varanda, ao lado da
piscina.
Pedro
entrou, viu o dono da casa, e ao aproximar-se teve certeza absoluta de que era seu pai.
— O senhor é o seu Otacílio, que vai me
empregar?
— Quem é você meu rapaz?
— O senhor é Otacílio Mendonça, de Aporá?
Quando
citou Aporá, Tacilio já tremeu!
— Sou sim e você?
— Eu sou Pedro, seu filho! Vim em sua busca
após quase 20 anos! E consegui encontrá-lo. Deus seja bendito!
Ao ouvi-lo Tacilio quase caiu da cadeira
e imediatamente olhou para os lados, para
ver se alguém os ouvia. Levantou-se e pediu que o acompanhasse. Entrou em seu
carro e saíram. Tomaram uma pequena estrada vicinal e após uns 5 quilômetros
pararam. Otacílio disse:
— Então você é o Pedrinho? Como estão sua
mãe e seu irmão João? Estão ainda em Aporá?
— Felizmente estão todos vivos e muito
bem, apesar do senhor ter nos abandonado em uma situação muito difícil. A mãe
teve que trabalhar muito para nos criar. Eles acham que o senhor morreu, mas
pelo que vejo está bem vivinho e bem rico, não é? E agora pai? O senhor casou
de novo, sei que tem outros três filhos, esta muito bem, um pouco gordo, e nós?
Como ficamos?
— Espera aí filho, vamos conversar com muita
calma. Não vá me estragar a vida. Eu sempre quis voltar para vocês, mas as
circunstâncias me foram favoráveis, consegui ganhar muito dinheiro como
corretor de fazendas, tornando-me o maior conhecedor de terras da região. Sou
muito conceituado no meio, na cidade. Casei-me novamente, sabendo que estava
errado e na realidade sou um bígamo.
Fique firme, que agora que sei que vocês estão
vivos eu quero ajudá-los e muito! Não me entregue, não estrague a minha vida e
a de vocês também. Não diga nada a ninguém, muito menos à minha esposa e filhos.
— Daqui vamos a Fernandópolis, vou
descontar um cheque de um cliente de R$ 50.000,00. Vou te dar este dinheiro, e
você vai ao Bradesco para abrir uma conta, com este dinheiro. Você tem
documentos?
— Tenho sim, RG e CPF.
— O senhor sabe que tanto a mamãe, sua
primeira mulher e nois dois seus filhos, temos mais direito do que sua segunda
mulher e seus outros filhos. O senhor concorda? Se não concorda vou procurar um
advogado e pedir para todos virem para cá reverem o senhor.
Claro que concordo meu filho. Só não
estrague a situação toda. Em uns quatro meses, terei tempo de passar boa parte
de meus bens a vocês e uma boa gaita. É só minha mulher não desconfiar e
assinar o que lhe pedir.
Vocês três ficarão muito bem de vida.
Podem permanecer tranquilos em Aporá. Não comente também com ninguém na nossa vila
e mesmo com sua mãe e irmão. Quando saí de lá, estava já muito mal com sua mãe
e com a seca que nos castigou e nada deixou de pé, fiquei completamente doido. Tive
muita sorte por aqui, com muito trabalho.
— Mesmo naquelas circunstâncias, não
podia tê-los abandonado. Sou realmente um covarde! Deus me perdoe!
—
Como você conseguiu me localizar?
— Foi o seu Juca de nossa cidade que veio em São
Paulo, por enorme coincidência, viu o senhor atravessando uma rua. Nós não acreditávamos, mas, tempos depois,
resolvi vir tirar a dúvida e achei-o. Agora estou contente!
— Pois bem meu filho, pegue um taxi e vá
dormir em Rio Preto no Hotel Camareiro no centro da cidade. Tem aqui mais R$
5.000,00, suficientes para estas despesas e sua volta para Aporá de avião. Tem
também os cheques para gastar os R$50.000,00 depositados em Fernandópolis. Como
já disse, dentro de 4 meses volte e me procure aqui. Tá bem?
— Tá pai! Volto mesmo! Obrigado, apesar
de tudo!
Otacílio deixou-o em um ponto de taxi,
deu um adeus com as mãos e voltou para sua casa.
Pedro desceu no hotel indicado, à tarde
deu uma volta para conhecer a capital da araraquarense e voltou para o hotel,
no meio da noite.
No dia seguinte, a camareira ao abrir a porta
do quarto, deu um violento grito e saiu correndo escada abaixo. Um hospede
estava morto, esfaqueado no pescoço e tórax. Não tinha documentos ou dinheiro. Era
Pedrinho!