Um segredo que jamais revelei - Maria Verônica Azevedo


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Um segredo que jamais revelei
Maria Verônica Azevedo

 As mangas maduras pareciam olhar para mim. Eu podia sentir o sabor doce me dando água na boca.

Eu poderia alcançá-las subindo na mangueira.  Para mim era fácil. Desde pequena eu fazia isso sob a observação e orientação do Vovô.

Fiquei muito dividida lembrando da proibição de minha avó:

— Não quero ver nenhum neto em cima da mangueira! É perigoso e não quero ser responsável por um acidente!

Meu avô não discutia, mas nos acompanhava e dava dicas de como subir com cuidado, olhando para cima e testando a firmeza do galho antes de se apoiar nele.

Neste dia, vovó estava distraída costurando na sala de costura na mesa próxima à janela. Vovô não estava em casa.

Olhei para cima mais uma vez e não resisti. Subi rápido passando de um galho a outro e sentei lá no alto numa bifurcação como sempre fazíamos.

A árvore estava carregada, mas nem todas as mangas estavam maduras. Esticando o braço eu pude alcançar uma fruta bem amarelinha. Fui descascando com os dentes sentindo o suco escorrer pelas minhas mãos lambuzando também meus braços. Estava muito doce.

Logo deixei cair o caroço completamente chupado, já de olho na próxima manga ainda mais apetitosa.

Fiquei mais tempo sentada ali até me fartar... Na verdade eu estava um pouco nervosa porque sabia muito bem da proibição de minha avó.

Ainda com as mãos lambuzadas comecei a descer...

Antes de chegar embaixo, minha mão escorregou ao tentar apoio num galho e eu me desequilibrei.  Despenquei batendo o ombro e as costas no últimos galhos.

Cheguei ao chão sobre a terra molhada com muita dor e assustada. Eu sabia que não podia contar o que fizera... Tentei ficar de pé e vi que conseguia andar.

Com as pernas esfoladas, o ombro doendo e sem poder ver as costas, eu só pensava em chegar ao banheiro para pegar a caixa de curativos que eu sabia que estava lá. Mas como passar pelo pátio sem ser vista?

Apesar da dor, eu fui me esgueirando devagar sem fazer barulho e consegui passar em baixo da janela do quarto de costura sem ser vista. Entrei na casa, passei pela copa e alcancei a escada para o andar de cima. 

Lá em cima entrei no meu quarto para ver, no espelho do armário, como eu estava, e vi minha roupa destruída. Afobada, peguei outra calça e uma blusa e me tranquei no banheiro.

Doía tudo, mas eu não queria pedir ajuda. Tirei a roupa rasgada quase chorando de dor e fui lavando os esfolados com a água da pia. Achei a caixa de curativo e a gaze para secar os machucados. Ai, com o vidro de mercúrio cromo na mão esquerda eu tentava com a outra mão alcançar os esfolados com cotonetes molhados no remédio, virando o corpo como podia olhando no espelho.

Então eu vesti a roupa limpa e removi a sujeira que fizera no banheiro  colocando a caixa de curativo no lugar de sempre.

Voltei para o quarto para esconder as roupas rasgadas  no fundo do meu armário. Demorei um pouco ali tentando me acalmar.

Quando ouvi minha avó chamar  para tomar lanche, desci aparentando calma, como se não tivesse acontecido nada.

Nunca tive coragem de comentar com ela este acidente nem mesmo depois de adulta.  Mas agora, eu ensino meus netos a subirem na árvore que tenho no meu jardim para lhes dar segurança, embora os outros adultos em volta fiquem bem apreensivos.


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