Ossos do ofício - Ises A. Abrahamsohn

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Ossos do ofício
Ises A. Abrahamsohn

Advogados criminalistas de sucesso precisam ser bons atores. E se você for mulher e quiser ser bem sucedida é preciso muito mais que ser uma boa atriz. Juliana sabia disso. Não tinha papas na língua para rebater os argumentos da promotoria e para defender os seus representados. Não cabia a ela julgá-los. Esforçava-se apenas para conseguir sentenças mais leves ou favoráveis. Os réus eram lisos como sabonete e se julgavam mais espertos do que ela. Escondiam detalhes que sabiam serem comprometedores. Mas Juliana tinha como penetrar a couraça  deles e explorar as fendas na armadura, de modo a extrair a verdadeira, ou pelo menos a mais verossímil história de um crime.

O último réu que defendeu era acusado de homicídio. Tinha claramente matado a mulher a pancadas.  Juliana o detestou desde o primeiro instante, mas o que fazer? O escritório a designara para defender o cara e ela não podia se negar. Tinha que conseguir a menor sentença possível para o crápula. Iria se agarrar à história dele, que a mulher o atacara com a faca da cozinha, encontrada na cena do crime.

  ̶  Claro que sim, a coitada já apanhara demais e agarrou a faca quando ele mais uma vez se aproximou com o braço erguido protegido pela toalha molhada, desgraçado, teria que alegar legítima defesa para ele, diria que ela tinha crises de ciúme, a vizinhança sabia dos espancamentos mas ficava calada, meu Deus, não aguento mais essa vida. O matador ainda arrumou dois coleguinhas do mesmo tipo para testemunharem que a mulher era uma piranha, coitada, era ela quem sustentava a casa de dia e apanhava de noite, os filhos que será dos filhos....


No dia do julgamento Juliana, fez tudo direito, alegou legitima defesa e conseguiu atenuantes com os testemunhos dos comparsas do criminoso. No grito, discutiu com a promotora e conseguiu pena reduzida. Seriam nove anos, dos quais com boa conduta o pilantra sairia do regime fechado em três. 

Saiu do fórum já passava das cinco. No carro ligou o rádio e ouviu um locutor meloso despejar um monte de “Feliz dia da mulher”.  

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