A
lenda dos pássaros cegos
Suzana da Cunha Lima
Estivemos
no Chile há uns dez anos. Numa de nossas andanças, encontramos uma peça
artística muito bonita numa pequena, porém sofisticada loja. Dizia o dono que
tudo ali exposto era trabalho exclusivo, de artistas da região. O nosso
era um semicírculo de aço, as pontas soltas para baixo . Em cada
ponta estava preso um galo confeccionado com chapas de cobre, tanto em
sua cor natural quanto escurecida, formando um lindo contraste. Eles estavam
virados para uma rosácea de oito pontas, sendo que o miolo era preenchido
com pequenas e coloridas pedras, semelhante ao corpo dos pássaros. Enfim, um
trabalho raro e muito belo.
Porém,
não sei a razão, eu não me sentia bem olhando para eles. Os olhinhos eram
de pedra verde e, de vez em quando, eu notava que mudavam de cor, ficavam
escuros. Meu marido não deu muita atenção, mas eu observei que, quando
tínhamos algum problema em casa, principalmente financeiro, era a ocasião que
os olhos dos pássaros escureciam. Meu marido achava que era uma questão
de luz e não deu maior importância até que...
Eu
fui ao consulado do Chile para pedir
informação sobre esta peça e levei até a foto. Qual não foi a minha surpresa
quando eles explicaram que os pássaros ali representados eram excelentes
cantores. Houve um tempo que eram aprisionados em gaiolas para o deleite
de seus moradores, pois seu canto era extraordinariamente melodioso. E a
cor dos olhos, perguntei? Então a secretária do cônsul me contou a lenda
dos pássaros cegos. Os índios furavam seus olhos, porque assim eles
cantavam melhor. Mas repararam que sempre acontecia alguma desgraça à família que
mantinha este pássaro preso e cego.
Então
não os aprisionaram mais para suas residências, porém, como a demanda pelos
turistas fosse enorme e eles precisassem de dinheiro, vendiam os pássaros com
uma venda nos olhos, informando que só retirassem a venda quando chegassem em casa.
Mas nenhuma família era feliz com estes pássaros presos, mesmo que não fossem
cegos. Afinal a maldição se espalhou e a procura terminou. Até que
acabaram extintos, pois não se reproduziam em cativeiro. E então, os artistas
os replicaram em qualquer material, sendo o cobre a opção mais elegante e
bonita.
E
a mudança dos olhos nos meus, que eram de cobre, não eram vivos? Perguntei.
-
Os espíritos das florestas se apossam de qualquer imagem destes
pássaros, vivos ou em imagens ou escultura. – disse-me ela. - E são
espíritos vingativos. Não se conformam com sua extinção, fruto da
ganância e desrespeito à natureza, por parte dos humanos. Aqui no Chile
ninguém tem nada que se assemelhe às figuras destes pássaros. Sempre
acontece algo de ruim a quem os possui. E isso se reflete na cor dos olhos
deles, como na sua peça. Ninguém tem explicação para isso. Quem conhece os
mistérios da natureza?
Assim,
embora fosse um belíssimo trabalho artístico, nós o penduramos nos galhos de
uma árvore no Parque da Cantareira.
E
notamos que as coisas em casa começaram a melhorar. Coincidência?
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