A casa
assombrada
Ises de Almeida Abrahamsohn
Já era fim de verão quando Milton resolveu tirar férias. Não aguentava mais o calor úmido de Porto
Alegre. A casa que conseguira alugar por um preço incrivelmente baixo ficava em
Torres, isolada, e bem no topo da falésia. Desde criança, Milton gostava da paisagem
selvagem. Ondas furiosas, batendo sem cessar na base rochosa arrancando
pacientemente pedaços de calcário e seixos. Apenas na maré baixa podia-se
descer a escadaria até a áspera prainha. Decidira ir direto do trabalho para a
casa de veraneio. A estrada era razoável
e no máximo em duas horas e meia chegaria. Acabou se atrasando e saiu já à
noitinha. Parou numa mercearia que lembrava existir nos arredores da cidade a
uns cinco quilômetros da casa. Já era tarde e o dono estava fechando a porta de
ferro. Mas ainda o atendeu. Perguntou-lhe qual o destino já que àquela hora
pouca gente passava por ali. Ao ouvir a descrição da casa o merceeiro,
preocupado, desculpou-se pelo que iria lhe contar. A casa trazia má sorte a
quem a ocupasse. Há dois anos dois jovens veranistas haviam desaparecido. Os
corpos batidos pelas ondas foram encontrados na base da torre. No ano anterior,
uma família inteira, pai, mãe e menino de onze anos desapareceram; só restou o
cão da família encontrado na borda da falésia uivando para as ondas.
Milton não era supersticioso, mas ficou impressionado
com a insistência do merceeiro par que desistisse da casa. Continuou guiando pela
estradinha até o alto da falésia. O ermo do lugar, a escuridão e o bramido do
mar davam à casa um aspecto
fantasmagórico. Estava tão cansado que foi direto para a cama.
Acordou com o lamento do vento sul assobiando
nas frestas das venezianas. Tateou sem resultado o interruptor do abajur de cabeceira. Queda de energia ou
simples lâmpada queimada.
̶ Sorte que tinha uma potente lanterna, pensou. Foi quando ouviu algo além do vento. Passos abafados e um rosnar de cachorro na varanda. Da varanda iluminou o alto da falésia e viu duas sombras se movendo perto da beirada do precipício. Pensou em ir atrás, mas a prudência o fez desistir. Eram dois e ao olhar de novo tinham sumido como se tivessem pulado no mar. Irritado, voltou para a cama, após trancar as portas. No dia seguinte tentou identificar pegadas na vegetação rasteira. Nada, nenhum rastro, nem do cão. Milton desceu até a prainha e depois passou o dia na praia da Guarita dormitando ao sol na areia branca e fofa. De noite, tirou um cochilo e ficou à espera dos visitantes. De fato, surgiram de novo duas sombras e agora o rapaz viu o animal. Era enorme, e as orelhas , focinho e patas emitiam um brilho fosforescente. Milton sorriu. Era o velho truque do cão dos Baskervilles da história de Conan Doyle. A ele não assustaria. Acendeu súbito as luzes da casa e viu os dois homens de túnica marrom e capuz e o cachorro. Este era um dinamarquês enorme que de feroz não tinha nada; ao assobio de Milton veio correndo alegre. Os vultos puseram-se a correr, mas o rapaz foi mais rápido e agarrou o mais lento pela túnica, derrubando-o com uma rasteira. Era o dono da mercearia. O homem, assustado com a ameaça de ser levado à delegacia, desembuchou a história. Há tempo tentava comprar a propriedade, vizinha de seu sítio, mas o dono birrento sempre recusava. Pai e filho tentavam afastar os inquilinos com os relatos misteriosos e com a encenação noturna. Despachado o encapuzado e seu cachorro, Milton teve uma noite tranquila e aproveitou sossegado as férias em Torres.
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