Sevilhana
Ises de Almeida Abrahamsohn
Eu herdei o nome de
minha bisavó materna. Sou Carmen e como vocês podem ter imaginado a minha
ancestral era espanhola. Não era cigana e nem destruidora de corações. Tinha
apenas em comum com a personagem da ópera o fato de ter nascido na Andaluzia e
saber dançar flamenco. No mais era absolutamente convencional. Tinha dezessete
anos quando chegou a São Paulo no inicio
do século XX e logo se adaptou à nova terra. Casou-se com português, teve cinco
filhos e uma vida corriqueira de família de classe média esforçada.
Falava-se português, comia-se cozinha
portuguesa ou brasileira e as crianças frequentavam a escola publica do bairro. A única conexão que Carmen fazia questão de
manter com a sua adorada Andaluzia era o flamenco e as inseparáveis
castanholas. Ensinou a sedutora dança às
duas filhas e uma delas, minha avó, tentou ensinar minha mãe, porém sem
sucesso. Quando eu tinha sete anos fui visitar a bisa Carmen pela última vez
antes dela falecer. Solenemente me pegou pela mão e me mostrou o par de
castanholas sob uma redoma. Foi assim que meu me interessei e aprendi flamenco.
A bisa me fez prometer:
̶ Quando eu
morrer quero que as castanholas sejam colocadas no meu caixão. E assim foi
feito. Eu vou visitar seu túmulo no cemitério da Consolação uma vez por ano. Os
funcionários que cuidam da sepultura sempre me lançam olhares desconfiados.
Acho muito estranho, e na semana passada quando estive lá resolvi perguntar a
razão.
̶ Dona Carmen, é
que em março e, às vezes, em abril ouve-se
vindo de dentro do jazigo um som que parece um estalar de madeiras, mas
estranho e ritmado, disse-me o encarregado.
Lembrei-me das
castanholas da bisa, mas atribuí o ruído descrito aos galhos das árvores antigas quebrando-se sob o vento
de outono. Mas fiquei intrigada e na
internet e aprendi que é nessa época que se realiza anualmente a famosa Feria
de Sevilha com “manzanilla, tapeos e el
baile, con el cante, con el arte de ser andaluz y sevillano”.
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