Se as palavras conversassem
Ises
A. Abrahamsohn
Em algum lugar
distante da terra existe um país habitado só por palavras. Cada cidade do país tem palavras de uma só
língua. Assim as palavras francesas
habitam uma cidade, as da língua inglesa outra diferente, e assim por diante.
As palavras da língua portuguesa também
têm a sua própria cidade. Lá tudo é muito organizado, as palavras se agrupam em
bairros e quem toma conta do
funcionamento da cidade é a dona gramática, que controla os encontros das
palavras. Um grupo de palavras do mesmo bairro estava na lanchonete conversava
animadamente, esperando serem chamadas para trabalhar. Eram palavras que
indicavam várias partes do corpo. A
maioria estava contente com as utilidades que lhes eram destinadas. Porque, além do seu significado mais comum,
podiam assumir outros dependendo de como fossem usadas para exprimir o
pensamento dos humanos. Assim, a palavra olho se gabava para as palavras da
mesa, pelo fato de poder ter muitos sentidos.
̶ Vejam só, eu
posso ser olho de águia ou de lince, olho gordo, olho vivo , olho d’água, olho
de peixe e posso também estar de olho em
alguém ou fazer alguma coisa saltar aos olhos !
Aí começou uma
competição entre as elas, cada qual querendo mostrar mais usos. O pé, então,
tinha tantos usos que desbancou facilmente o olho. Pé de meia, pé de chinelo,
pé-de-cabra, pé-ante-pé, pé da cama, pé de pato, “em que pé está?” e assim foi
enumerando até que a palavra joelho lhe deu um cutucão para parar.
̶ Parem de ficar
se exibindo, gritou. Isso mesmo, eu e minhas primas tornozelo e queixo temos apenas um significado mas somos
tão importantes quanto vocês. Quando somos pronunciadas somos absolutamente
precisas. Um joelho é um joelho e ponto
final. Quando eu era menor ficava com
muito complexo, até minha prima, cotovelo, zombava de mim. Só porque tem uma
peça de encanamento chamada “cotovelo” . Pois bem, não existe nenhum cano curvo
chamado joelho. Mas eu estou em todos os animais vertebrados e quando dói não
tem dúvida: joelho é o joelho que fica na perna! Às vezes os humanos olham para os filhotes
recém-nascidos e dizem: ̶ Este tem cara
de joelho! Fico contente, sim, porque ele tem a cara bem lisinha e gordinha, a
testa alta e sem pelos, exatamente como um joelho deve ser!
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