Estrada
aterrorizante...
Ises de Almeida Abrahamsohn
Depois de dar aula
o dia todo em Ijuí, Milton estava cansado e de novo na estrada em direção a São
Borja pela BR 285. Detestava guiar à noite pelas estradas estreitas de duas
mãos do Rio Grande. Cheias de buracos e de
motoristas indisciplinados. Parou no posto para duas xícaras de café forte.
Logo chegaria a São Miguel das Missões; já seria meio caminho. O café o animou,
mas após meia hora já se sentia sonolento de novo. Depois de uma curva viu a
placa, desvio por obras na estrada. Tomou o desvio, estradinha de terra às
escuras e deserta. Tinha a vaga ideia que passaria bem perto das Missões. De fato, avistou ao longe a silhueta das
ruínas. Foi quando o seu velho Chevrolet
parou.
̶ Pô, que lugar
para encrencar! Resmungou.
Saiu do carro, com
a lanterna na mão e inspecionou o motor. Não entendia de mecânica exceto o
básico e este parecia estar em ordem. Sozinho naquela escuridão deserta não havia o
que fazer. Do celular ligou para seu colega em São Borja avisando da pane.
Ligou para o seguro que prometeu vir acudi-lo em duas horas. Milton reclamou da
demora, mas em vão. Não era medroso, mas a escuridão e o isolamento do lugar
foram ficando opressivos. Ficou contente quando viu os faróis da caminhonete se
aproximando. Achou que seria o pessoal do seguro.
̶ Afinal,
chegaram bem mais cedo, exclamou. Só estranhou quando se deu conta que o
motorista estava todo vestido de preto e com o rosto escondido por um capuz. ̶ Pronto, é um assalto! Não tenho nada, só se
quiserem levar o carro, que não anda!
Milton enganou-se.
O que o homenzarrão mascarado, queria era ele mesmo. Sentiu quando levou a
pancada que o derrubou e foi depois amordaçado e as mãos amarradas. O agressor
não pronunciou palavra e foi empurrando o rapaz por um estreito atalho na
direção das ruínas. Apavorado Milton pensava: ̶ O que quer de mim esse cara? Vão me
sequestrar e pedir resgate? Logo eu, professor que ganho por aula, mal dá para
sobrar um dinheirinho para as férias, a Celina vai endoidar, de onde tirar o
dinheiro, só empréstimo de banco, não vão dar, só agiota, o pai dela também está cheio de dívidas, meu irmão nem
pensar....
Sentiu que pisava
em tijolos e as enormes mãos do seu captor o empurraram para descer os degraus
irregulares de uma escada. Tropeçava amiúde e só não caia porque o gigante o agarrava
pelo braço. Por fim chegaram ao plano, no que Milton imaginava ser a antiga
cripta da igreja das Missões. O cheiro era indescritível. Mistura de carne
apodrecida com umidade e bolor. Tentou pensar racionalmente na origem do
terrível fedor : ̶ Não pode ser de ossadas expostas da cripta,
estão secas há tempo, algum animal morto talvez, mas porque me trariam a este
lugar, parece aquele seriado de tevê
horrível de um sádico cujas vitimas tinham que fazer opções terríveis sem conseguir escapar, só vi um, e se caí na
mão de algum que imita esse, deviam proibir este tipo de filme, sempre tem uns loucos por aí...
Sentiu então uma
pancada forte no pescoço e desmaiou. Ao
acordar, com a cabeça e pernas imobilizadas sentiu que estava amarrado a uma mesa.
Descobriu que tinham-lhe tirado a venda.
Na semi-obscuridade viu a enorme mesa
cercada dos dois lados por muitas cadeiras. Objetos metálicos alguns
brilhantes estavam espalhados. Ouviu
passos pesados e vultos enormes
embuçados se aproximavam da mesa. O cheiro que já era horrível tornou-se
nauseabundo. Desajeitadamente se moviam esbarrando uns nos outros tentando
puxar as cadeiras. Milton gelou, conhecia os seres das revistas em quadrinhos e
dos filmes... Eram zumbis! Era um jantar de zumbis e ele era o prato principal! ̶ Estou delirando, não existem, só na minha
imaginação, não sei o que fazer, como se livrar deles, olha um avançando com a
faca para a minha barriga, é o fim, Celinazinha querida me perdoe, nossa ultima briga por causa da
conta da internet, cuide bem do Joli, não me esqueça, te amo.... Neste momento, Milton desmaiou. Quando reabriu os olhos estava numa sala
muito clara e a luz o cegava...
̶ Será que morri? Devo estar a caminho do céu...
Conseguiu a custo focalizar a visão. Era um ser, homem ou mulher, vestido de
verde, a testa e o rosto cobertos que o olhava e perguntava:
̶ Seu Milton, está me ouvindo ? Quantos dedos está vendo?
̶ Seu Milton, está me ouvindo ? Quantos dedos está vendo?
̶ Parem, não quero ser comido, tenho ainda a Celina e o Joli, as aulas para dar....
̶ Seu Milton,
acalme-se, você teve um acidente na estrada perto de São Miguel, um caminhão
pegou o seu carro em cheio por trás com você dentro. Teve sorte que trouxeram
você logo para o hospital. Teve hemorragia foi operado e tem fraturas nas duas
pernas. Mas está fora de perigo. Sua mulher, Celina, está aí fora esperando você
sair da sala de cirurgia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário