Vida de faroleiro
Fernando
Braga
Se
fosse perguntado a um grupo de pessoas, qual a mais humilde, mal remunerada,
mais cansativa e ao mesmo tempo, mais importante profissão do mundo, poucos ou
nenhum, após muito pensar, se lembrariam de citar o faroleiro, que vem
desaparecendo.
Com
quase um milênio de história, ocasião em que o primeiro farol, bem rudimentar,
foi criado, sempre foi considerado essencial
para orientar marinheiros nas horas mais difíceis. No Brasil, o primeiro farol
datando de 1602, foi o de Santo António, no alto do Morro do Padrão, na entrada
da Baia de Todos os Santos, em Salvador.
Hoje
são 175 faróis em funcionamento no país, dos quais apenas 35 têm faroleiros,
uma vez que, os demais são todos guarnecidos, modernos, que funcionam
praticamente sozinhos, sem necessidade de alguém presente na torre.
São
muitas as histórias destes homens, que designados ainda jovens para serem
responsáveis por um farol, lá passam a parte mais importante de sua existência,
isolados, solitários, verdadeiros ermitões, filosofando sobre sua pobre vida.
São filósofos solitários, que todas as noites, com as luzes acesas do farol, lá
estão para salvar vidas de marinheiros perdidos, com grandes riscos de se
espatifarem contra as perigosas rochas que os separam da terra.
Dentre
os muitos faróis mais conhecidos do mundo, podemos citar dois: O chamado Farol
do Fim do Mundo construído em 1918, consagrado por ser o
mais austral de nosso continente, na remota ilha dos Estados, visto por aqueles
que fazem sua navegação no roteiro do canal de Beagles, na Terra do Fogo. E o farol
La Jument, na costa francesa, a 2 kms da Ilha De Ouessant, construído entre
1904 e 1911,que se tornou famoso após as fotos tiradas de um helicóptero durante
uma tempestade violenta, jogando-se e encobrindo o farol.
Me
refiro a este tema porque há muitos anos, viajei até Ushuaia , onde um dos passeios mais
interessantes foi chegar ao farol Les Ecaireurs, conhecido como o Farol do Fim
do Mundo, um dos principais cartões postais da Terra do Fogo.
Fomos
até Calafate e por coincidência encontramos um amigo que nos aconselhou a irmos
conhecer Ushuaia, capital da Terra do Fogo. Minha mulher, muito entusiasmada, disse
que não queria perder a oportunidade, embora não estivesse em nossos planos de
viagem.
Em
Ushuaia, cidade que nos surpreendeu pelo seu tamanho e beleza. Por orientação
de nosso amigo, fomos a uma agência de turismo para comprarmos bilhetes para a
viagem de um dia em um Catamaran, até o famoso Farol. Nesta agência conhecemos Luzia, uma
brasileira que lá vivia por mais de uma década. Nos demos tão bem que a
convidamos, com seu marido argentino para jantar. Comemos peixe e bebemos muito vinho, e na conversa animada nos contou a
história de Sanger, um faroleiro que por mais de 40 anos trabalhou neste farol.
Foi para lá aos 20 anos, saindo aos 60 quando se aposentou. Passava ele, três
meses contínuos na pequena ilha rochosa, sem vegetação, no farol de uns 15
metros de altura, com um diâmetro não mais que 5 metros e caracterizado por
suas cores branca e vermelha. Vinha para Ushuaia apenas 4 vezes ao ano, onde cada
vez, permanecia 15 dias, em casa de sua mãe, sendo que nestas ocasiões era substituído
por um auxiliar.
A
comida que lhe era fornecida para durar todo este tempo era guardada em um
contêiner fora do farol, para se conservar naquele frio intenso, não era
necessário geladeira.
Ninguém
se oferecia para ocupar o seu cargo, sujeitar-se a viver a vida que vivia. No
começo teve a companhia de um telegrafista, que logo desistiu e não foi
substituído. No início o farol funcionava com querosene, 10 litros por dia, mas
posteriormente foi modernizado.
Para
passar o tempo escrevia à noite, mas sempre com farol aceso desde o final da
tarde e os olhos bem atentos. Gostava de pintar telas e no verão acostumou-se a
pescar. As paisagens que pintava eram sempre as mesmas, do mar calmo, do mar
revolto, de navios que passavam ao longo do canal, leões, pinguins e aves
marinhas. Conseguia vendê-los quando vinha para a cidade, o que ajudava seu
ganho, que sempre entregava à mãe. Não conseguiu formar uma família, porque
nenhuma moça se sujeitou a ir viver aquele tipo de vida e nenhuma ficaria em
terra à sua espera.
Escreveu
um livro onde contou sua rotina, isolado do mundo, ninguém para ver ou
conversar, fechado naquele pequeno espaço, meditando sobre as vantagens e
desvantagens de viver só, tendo como diversão seu radio, que o colocava em
contato com estações do Chile e Argentina. Descreveu o tremendo frio que
acontecia o ano todo, mas que no inverno, era insuportável, aliado aos dias muito
curto e a noites longas demais, tempo fechado, tempestades enormes, ondas
fortíssimas batendo contra a ilha, chegando às paredes do farol. Acostumado, refere
nunca ter tido medo.
Tinha
um rádio também para contatar-se com sua base em terra, o que fazia
diariamente, sempre no mesmo horário ou quando ocorria algum fato inesperado.
Descreveu
acontecimentos inusitados, como quando conseguiu salvar quatro rapazes que se
aventuraram em um pequeno barco pelo canal e foram surpreendidos por uma
tempestade, tendo sua barca despedaçada contra os rochedos. Usou toda sua força
e coragem para ajudá-los, conseguindo tirá-los do mar, com auxílio de boias
presas a cordas.
Aos
55 anos, certa noite começou a sentir-se mal, com enorme dor no peito, respiração
difícil, sensação de morte iminente. Sozinho, desesperado, com esforço
sobrenatural, conseguiu contato com sua base e após duas horas viu chegar um
helicóptero para levá-lo ao hospital. Descreve as duas horas mais difíceis de
sua vida, cada minuto parecendo um dia, com a incerteza de que poderia
sobreviver, mas com a certeza absoluta da morte.
Luzia
descreveu ainda outros fatos narrados por Sanger, o que nos deixou fascinados
por este homem humilde, vida de dedicação aos marinheiros, desperdiço da mocidade,
da melhor parte da existência. Foi conseguir uma companheira apenas após sua
aposentadoria, com a qual vive junto ao mar, mas não em um farol.
Fomos
a este passeio, um dos mais sensacionais que empreendemos até hoje, após termos
conhecido boa parte do mundo. Paisagens divinas, estonteantes, inacreditáveis
em beleza, as montanhas íngremes acompanhando nosso caminho. Vimos ilhas com
moradia de Leões e Lobos Marinhos, centenas de Pinguins e Corvos Marinhos.
Finalmente
passamos ao largo deste famoso Farol, onde nos foi explicado que o que
estávamos vendo, não era o verdadeiro, consagrado por Júlio Verne em seu livro: O Farol do Fim do Mundo, depois apresentado
em filme tendo como protagonistas Yul Brinner e Kirk Douglas. O verdadeiro farol
encontra-se bem distante, na Isla del Estado, com localização mais austral.
Valeu!!!!!!!!!!!!
Belo relato, Fernando Braga. Aprendi muito com ele. Obrigada, valeu mesmo!
ResponderExcluirMuito bom esse relato Fernando. Estou fazendo um documentário sobre este tema. Podemso falar? meu email é mamarisareis@gmail.com, se pudesse me escrever, agradeço. ab
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