A tradicional festa de São Vito - Fernando Braga


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A tradicional festa de São Vito
Fernando Braga

        Desde o início da década de 60, já conhecia eu, recém-casados, Valdiria e Racid, moradores antigos do bairro italiano do Brás,  onde haviam nascido. Ele, muito trabalhador desde a puberdade, após ter exercido trabalhos humildes, conseguira, com sacrifício tornar-se um contador. Graças à sua competência, simpatia, confiança que despertava, fez uma bela clientela, melhorando a situação econômica.

         Se conheceram em uma das comemorações da festividade de São Vito Martir ou São Guido, que se realiza até hoje, por 94 anos ininterruptos, no mês de junho, no Brás.

        Este santo com apenas 15 anos, foi torturado e morto na época de Dioclesiano, imperador romano do começo do século IV d.C., quando da perseguição aos cristãos. Seus ossos foram enterrados na cidade Polignano a Mare, na região de Puglia. Os italianos vindos desta região trouxeram consigo a devoção ao santo protetor. Foi um dos santos maios famosos da idade média, sendo que em Praga uma grande catedral foi erigida com seu nome, St Vitus.

       Valdiria cativara seu futuro marido não somente por sua beleza, mas também pela feminilidade e simplicidade. Era católica fervorosa e ele, como descendente de árabes, nem tanto, mas durante os 7 anos que namoraram antes de se casarem, nunca deixaram de comemorar esta festa, na realidade para eles um símbolo de seu encontro, de  seu amor. Moravam bem, boa casa, carro, e uma roda de amigos. No bairro havia uma série grande de industriais e comerciantes ricos, devido à herança deixada por seus pais italianos, que migraram da Europa já no final do século XIX.

       Nesta festa de São Vito, o ponto alto das comemorações era a famosa procissão, onde a imagem do santo era  colocado no andor e carregado por 5 homens de cada lado com troca dos mesmos, a cada quarteirão. Era a maior honra poder participar na condução do santo e para conseguir uma das vagas havia sorteio e também um leilão, onde as ofertas atingiam valores bem altos. Assim sendo, somente os mais abonados, ricos, podiam participar.

        As esposas destes contemplados mantinham certa rivalidade, querendo uma mais que a outra, mostrar poderio, riqueza, força e para tal, esmeravam em suas ricas vestimentas confeccionadas pelos costureiros mais famosos da época como o Denner, e aproveitavam para ostentar os seus colares, pulseiras, brincos e anéis de ouro, diamante e esmeraldas. Todas iam ao mesmo restaurante que, tradicionalmente, fazia parte integrante do local de comemoração, sentavam-se nas principais mesas, mais perto do palco onde sempre um conjunto tocava e um ou mais cantores, deliciavam os presentes com as músicas mais tradicionais da bela Itália.

       Não me esqueço de uma ocasião, no final da década de 60, em que eu e minha esposa, a convite de Valdíria e Racid   fomos  juntos a esta tradicional festa, vimos a procissão passar e mais tarde nos dirigimos ao famoso restaurante. Se não tivéssemos feito reserva,  certamente estaríamos sujeitos a uma grande espera. Nosso lugar era mais lateral e atrás, pois todas as mesas da frente, próximas ao palco, já estavam ocupadas ou reservadas.

       O queijo, a polenta, o pão italiano, as entradas, a macarronada, o gnocchi, estavam divinos. Começou a música, que em alguns trechos era acompanhada em coro pela plateia, minha esposa chorava lembrando o pai falecido e quando tudo estava em um auge, uma dama da alta sociedade do Brás, empetecada de joias, sobe os degraus do palco, retira o microfone das mãos do cantor e chorosa pede em voz contundente:

      —Por favor, fechem as saídas deste recinto.  Fui roubada! Minha bolsa Channel contendo   joias e dólares, foi roubada, de cima da mesa. Prendam este ladrão miserável! Revistem todos! Não o deixe escapar!

       Foi um reboliço e alguns guardas se postaram junto às portas de saída. Após alguns minutos, alguém levanta a mão direita, portando uma bolsa e em alta voz pergunta:

       —Madame, é esta a sua bolsa? Se é a sua, estava debaixo de sua mesa. A senhora deixou-a cair e não percebeu! Venha buscá-la e verifique se falta alguma coisa!

       A mulher desceu do palco, pegou a bolsa, abriu-a e disse: Não falta nada.
       Foi uma vaia só por parte de todos os presentes. Alguém gritou do fundo:
       —Vocês combinaram! Você queria se mostrar! Queria ter os seus dois minutos de glória, para aparecer! Mostre agora os dólares, se é que os tem. Ela não mostrou.

       O marido enfurecido, sem saber se aquilo foi uma artimanha de sua mulher, pegou-a pelo braço e saíram, sob intensas vaias. Uma das madames sentadas em grupo, junto ao palco comentou: —Tenho certeza de que a Magnólia fez este show de propósito. Eu a conheço muito bem!        

— E...Vocês viram que cafona estava o vestido dela de organdi?

       Valdiria ria muito e enfatizou:- Eu não falei para vocês que isto aqui é um covil!

       A festa continuou.

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