FABRICIO O FAR0LEIRO
Oswaldo
Romano
Uma vez por
mês Fabricio visitava a cidade. Ia se abastecer. Como era esporádica sua saída
da torre, antecipava a relação de suas compras. Não queria esquecer nada como
já havia acontecido antes.
Na sua
chegada era rodeado de curiosos. Homens e crianças queriam saber dos últimos acontecimentos,
vistos da sua elevada janela. Suas incríveis histórias eram contadas com
detalhes. Ele era o lendário Fabricio, o faroleiro da Ponta dos Bois, na Costa
Verde.
Quem operou
esse farol por muitos anos, foi seu pai. Com dezoito anos Fabricio, que quase já
vivia ali, assumiu seu posto.
O acidente
mais trágico que se tem notícia, acontecido nessa ponta, foi com o
transatlântico Príncipe Das Astúrias.
Tinha muitas
histórias, umas vividas, trazidas pelas ondulações do mar, outras ouvidas do
seu pai, o velho homem do mar. O pai envelheceu ainda mais quando interrogado
pelas autoridades sobre sua responsabilidade no acidente. O transatlântico
naufragou muito próximo do seu farol, e só sabia mais porque lhe contaram
detalhes.
—É sobre o
Príncipe Das Astúrias que vou contar.
—Próximo,
perto? E como ele não viu?
—O Príncipe
entrou costeando, por detrás do farol, não queria ser visto, ficou protegido
pelo morro. Meu pai era inocente, sequer recebeu qualquer aviso. O comandante de
nome José Lotina sabia o que fazia, só não avaliou o grande perigo dessa
loucura.
—Hoje só
vou contar para vocês uma pequena parte do que ouvi e li num interessante livro
deixado lá na nossa torre. O livro chama-se “A Lancha e o Mar”:
Fala
dos desvios das bússolas, que nós conhecemos.
O magnetismo da ilha. O nosso “Triangulo das Bermudas.”
—O que é mesmo esse Triangulo...
—Pergunte por ai, não, não vou contar mais
do que eu quero agora.
Era um vapor enorme, de 150 metros
deslocando 16.500 toneladas! Construído para 1500 passageiros. Sua rota era
Espanha a Buenos Aires, com escala nos portos de Santos e Montevidéu. Nessa
viagem a metade dos passageiros era clandestina que fugia da Europa destruída
pela guerra. Foram embarcados a revelia dos armadores, nos incômodos porões.
Transportava
ainda toneladas de valiosa carga. Ouro, metais e dólares. Mais uma noite e
aportaria em Santos. O local do acidente foi distante da sua rota, fora da
linha do farol. Nos salões sociais acontecia um grande baile carnavalesco, despedida
dos passageiros do Brasil. Santos preparava-se para recebê-los.
Familiares e amigos vindos de São Paulo, a
nata da sociedade, ofereceriam uma festejada recepção. Era a madrugada de 5 de
março de 1916, a própria manhã do carnaval. O Príncipe de Astúrias, navio de
alto luxo, foi lançado no mar em 30 de abril de 1914, dias depois do trágico naufrágio
do Titanic.
O
capitão do Príncipe de Astúrias, nessa viagem, por motivo nunca esclarecido, deu
uma inesperada parada. Seguiu desviando da sua rota. Falam que parou para
arrumar a carga, outros para separar o contrabando que deixaria na ilha.
Postou-se
costeando a parte leste da grande Ilhabela. Chovia, chovia muito, tinha pouca
visibilidade. No clarão de um dos raios o comandante, José Lotina, assustou-se
com o costão à sua frente.
—Vamos bater! Vamos bater! Ordenou
à casa de máquinas, aos gritos: “Tudo à ré! Tudo à ré”! Ouviu pávido o barulho
do casco sendo dilacerado, rasgado pelas pedras submersas. Tarde demais. Entrou
de proa na Ponta de Pirabura.
—Eu moro lá! Eu moro lá, gente! – Disse um
jovem.
Os que escutavam o Fabricio contar ficaram pasmados. O tempo
vinha apagando o passado daqueles moradores..
—Puxa Fabricio,
conta mais!
—Na próxima, tá
bem?
Fabricio veio
muitas outras vezes a cidade. Completou essa, e contou muitas outras histórias.
—Tenho muitas, dizia. Aos poucos, elas serão contadas.
Certo dia quem
contou a história para toda cidade, e além, foi o Capitão da Fragata Norberto, na
hora dos Avisos aos Navegantes:
— “Esta notícia é triste e atinge toda cidade. A forte
ressaca de ontem levou nosso faroleiro Fabricio. Foi lamentável. Deixando seu
posto para fechar o portal da entrada que se abrira com os fortes ventos, foi
tragado por uma daquelas traiçoeiras ondas. Varrido e impiedosamente
arremessado para o alto mar. Talvez distante, onde tantas vezes perdeu seu
olhar naquele infinito de águas. Nossos sentimentos. Deus o tenha”
Certamente agora,
o homem que reinava no farol, encontrará sua sereia, e Poseidon o Rey dos
Mares, a quem cobra o uso do Tridente no seu indestrutível farol.
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