Revelações - José Vicente J. de Camargo

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Revelações
José Vicente J. de Camargo

Já virara uma rotina nos últimos meses. Todo dia as quatro da tarde, ela procurava tomar o chá na Confeitaria Londrina no largo do Machado. Para tal passava em frente a faculdade de Direito procurando coincidir com a saída dos estudantes sorridentes e afoitos, a jogarem palavras ao vento e olhares persistentes às donzelas que passeavam na companhia das mães ou de sisudas damas de companhia.

Tudo começou numa tarde em que fora empurrada por um desses estudantes que, fugindo de um colega brincalhão e não a vendo, quase lhe arremessa ao chão. Ao se desculpar, tocam-se as mãos e trocam olhares que como raios lhe penetram queimando as entranhas. Desde então ela não consegue afastar de si o fogo daquele olhar. A esperança está no chá da tarde já que ele a vira entrar, naquela primeira tarde e nas seguintes, na confeitaria. Por sua vez, ele espera ansioso o bater das quatro horas, para acalmar a vontade de novamente mirar seus olhos e suas mãos alvas e suaves. Desta vez armou-se da coragem de segui-la e de se apresentar formalmente no bebericar da fusão fumegante e no degustar dos biscoitos amanteigados.

Sua dúvida, que lhe perturba os arrojos românticos, é se ela, por seus trajes elegantes, joias e finos modos, revelando ser dama de família ilustre, aceitará conversar com estudante de pensão, vivendo de mesada parca e de alguns bicos de trabalho. Tudo isso envolto no contesto de uma sociedade fechada e etilista, dos idos de 1850 na Capital Imperial do Rio de Janeiro.

Assim inicia-se a “revelação” desse romance entre Antenor e Amélia, que se deixa levar num ritmo cada vez mais íntimo, através das tardes de chá, depois nos saraus seletos da sociedade carioca, culminando na presença dele quase que diária nos jantares da família dela.

As confidências entre os dois enamorados revelam que o pai de Amélia, filho do maior plantador de café da região de Vassouras, interior de Minas Gerais, tivera, quando jovem, um relacionamento proibido com uma professora do grupo escolar, nascendo dessa união Amélia. A família da moça, de fortes laços religiosos, a manda as pressas, sem a criança, que fica com o pai, para São Paulo para casa de parentes. A família paterna, por sua vez, para dar uma rápida satisfação à sociedade local e abafar os cochichos inconvenientes, casa o filho com uma pretendente de longa data, que passa a ser a mãe adotiva de Amélia.

As “revelações” prosseguem e Antenor fica curioso com alguns fatos que coincidem com o pouco que sabe da sua origem. Por exemplo, que sua mãe era professora de uma escola rural de Vassouras e que mudou-se para São Paulo para morar com uma tia onde conheceu seu pai, casou-se, e ele foi o primeiro dos três filhos. Interessante que quando perguntava a sua mãe sobre seus avós em Vassouras, mudava bruscamente a conversa e deixava transparecer um semblante triste. Ela falecera jovem, sem incentivá-lo a visitar seus avós que partiram sem ele os ter conhecido.

Foi então que as “revelações”, na eminência de uma união próxima, chegam aos ouvidos dos pais de Amélia que surpresos com os fatos que reconhecem verídicos, decretam a sentença amarga dos segredos:

“Impossível Prosseguir! São Irmãos da mesma mãe”!

A genética impediu assim o amor da maneira que desejavam. Se uniram no amor espiritual, que protege um ao outro na alegria e na dor, no conforto do abraço fraterno de irmãos amigos.


A vida escreve em círculos o final que o destino reservou...

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