A lenda da moça
da grinalda do Cemitério do Araçá
Ises de Almeida Abrahamsohn
Quem for passear no
cemitério do Araçá vai se deparar com a escultura em mármore branco de uma
graciosa jovem recostada sobre um túmulo antigo segurando uma grinalda.
Entre os rapazes da
faculdade de medicina situada do lado oposto, na avenida Dr. Arnaldo, corria a
lenda da moça da grinalda.
Conta-se que ao
entardecer, naquela hora em que as sombras se alongam e esmaecem os contornos,
a alva figura se desprende do seu nicho de pedra e enlaça o jovem que esteja à
sua frente. Dá-lhe um apaixonado beijo e retorna após alguns minutos à sua
condição de marmórea imobilidade. O agraciado acordaria após algum tempo em
alguma alameda próxima sem lembrança do
acontecido. Porém a aparição lhe deixaria uma flor, uma rosa branca, retirada
da grinalda.
Naquela época, a
avenida era estreita e tranquila. Ao entardecer, no verão, era comum os alunos
passearem entre as alamedas sombreadas. Aproveitavam a temperatura mais amena
para caminhar após várias horas trancados na sala de aula.
Os amigos, Laerte e
Turíbio, eram assíduos frequentadores do cemitério. Nenhum acreditava em espíritos, e não se
deixavam impressionar com relatos sobrenaturais. Ao passarem pela frente do
túmulo da moça da grinalda, Laerte, brincando, lembrou ao amigo a lenda que
cercava a estátua. Turíbio, rindo se ofereceu para colocar a lenda à prova.
Estava sem namorada e um beijo apaixonado, ainda que efêmero, lhe alegraria o
dia. Combinaram que fariam o teste no dia seguinte. Turíbio se postaria à
frente do túmulo e Laerte se esconderia, espiando, atrás de um túmulo próximo.
Às seis horas o
sino da capela da Irmandade de São Pedro soou e ouviu-se o rangido dos portões
de ferro fechados para a noite. Restaria apenas o pequeno portão lateral
próximo ao velório. As cores do crepúsculo rapidamente eram tragadas pela
escuridão da noite. Turíbio se apoiou num plátano próximo ao jazigo e acendeu
um cigarro, que logo apagou. Talvez a
donzela não goste de boca de cigarro, pensou sorrindo. Laerte com uma
lanterna na mão escondeu-se atrás de um tumulo alto, cuidando para que não se
filtrasse nenhuma luz até Turíbio. A
donzela só apareceria em plena escuridão. Eram quase oito da noite e a
escuridão era total naquela parte do cemitério. Nem lua havia e, de ruídos, só
algum eco vindo dos jardins da faculdade e um ocasional pio de coruja. Os dois
amigos já estavam com frio, impacientes e, embora não reconhecessem, sentiam-se
oprimidos pela escuridão e pelo lugar soturno. Tinham combinado ficar até as oito
e depois ir ao bar Riviera. Súbito, primeiro Turíbio, e depois Laerte sentiram
um estranho e pungente perfume que os atordoou. Foram acordados na manhã
seguinte pelos jardineiros que os encontraram dormindo e caídos, um em frente
ao túmulo da moça da grinalda e o outro num desvão próximo. Sonolentos, sem
atinar com o que lhes acontecera descobriram que as carteiras e relógios tinham
sumido. Em troca o ladrão deixara para cada um, uma rosa branca.
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