Dora
Maria Verônica
Azevedo
O telefone tocou no meio do dia.
Ana atendeu com o pensamento distraído
devido ao ritmo estonteante do seu cotidiano lidando com cinco crianças de
idades que variavam entre 14 e 7 anos. Estava afobada, pois já era hora de
levar os maiores à escola.
Do outro lado da linha ouviu a voz
chorosa da sogra.
- Ana, por favor, me ajude. Eu não
consigo mais lidar com o Octávio.
- O que houve?
Como resposta só choro. Ana olhou para
Carlos com o telefone nas mãos.
- É sua mãe e está chorando.
- O que posso fazer?
- Diga a ela que você vai lá agora
ajudá-la.
Ele pegou o telefone e falou com a mãe.
Quando desligou não sabia o que fazer. Não adiantaria nada ir lá.
- Você vai lá, faz uma mala de roupas e
trás os dois para cá.
- Mas como? Onde vamos acomodá-los?
- Pode deixar que a gente ajeita.
Assim foi. Enquanto ele foi buscar os
pais idosos, Ana, depois de levar os filhos para a escola, fez uma revolução no
quarto do filho mais velho para ceder o espaço aos avós.
A partir desse dia, os três meninos
dividiriam o mesmo quarto. Aquele arranjo logo se tornou definitivo.
Com isso, todo o serviço se ampliou na
casa: mais lugares na mesa do almoço e do jantar e principalmente mais roupas
para lavar e passar.
Ana saiu em busca de ajuda. Conversando
na vizinhança encontrou Dora.
Uma senhora bastante simpática, mineira animada e
muito ágil no cuidado com as roupas, logo se afeiçoou às crianças. O caçula, ao
chegar da escola, entrava correndo e ia direto à lavanderia pular no colo dela.
Um dia Dora contou que gostava muito de
fazer bolos e quitandas. Ana propôs que ela fizesse um bolo de aniversário.
Ficou delicioso: chocolate com recheio de coco e cobertura de brigadeiro.
Ana se entusiasmou e abrindo uma gaveta
na cozinha, tirou um caderno de receitas de sua mãe que também era mineira.
— Este caderno está aqui guardado
esperando alguém que o use. Foi de minha mãe. Você quer experimentar?
— Dora parecia constrangida e não pegou
o livro de receitas. Ficou por alguns segundos pensativa e depois disse:
— Eu não sei ler.
Ana, pega de surpresa, não sabia o que
dizer. Apenas guardou o caderno do novo na gaveta e não falou mais nada.
Na mesa do jantar, comentou com a
família o fato de Dora não saber ler.
O filho mais velho ponderou:
— Mãe, A gente pode ensinar a Dora a
ler. Eu vou falar com ela.
Assim fez. Dora se recusou a receber as
aulas. Dizia que não tinha mais idade para isso. Já tinha cinquenta anos e
nunca tinha ido à escola e isso não lhe fazia falta.
O rapaz argumentava:
— Você pode descobrir muitas coisas
interessantes nas revistas e nos livros. Eu posso emprestar meus livros para
você.
— Não, menino. Eu agradeço, mas não
preciso disso não. O que eu conheço do mundo me basta... e tem muita coisa no
mundo que eu não gosto não.
Nem a interferência da Ana adiantou.
Dora continuou por 23 anos cuidando de
toda a roupa da casa até o final de sua vida sem leitura e sem mudanças.
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