A vaidosa devota de São Vito - Ises de Almeida Abrahamsohn




A vaidosa devota de São Vito
Ises de Almeida Abrahamsohn

Eram três primas, Filomena, Angelina e Antonieta, italianas de Bari, muito bem de vida. A sorte lhes sorrira neste país da América. As exíguas cabines e os banheiros coletivos da terceira classe, a dos imigrantes, do navio que deixara Gênova há vinte anos haviam sido esquecidas. Vieram já casadas muito jovens e cheias de speranza por um futuro melhor. Trabalharam muito, foram boas mães de muitos filhos e amaram (e também aturaram) os seus Antonio, Michelle e  Giorgio. E lhes foram fiéis, ainda que não possamos jurar que ao padre confessor não tenham murmurado alguns pecado por pensamentos.... As primas em geral se gostavam, descontadas as pequenas rivalidades que irrompiam nos almoços familiares de domingo. Essa disposição alegre e generosa, porém desaparecia com a proximidade da festa do santo padroeiro do bairro cerealista, São Vito. Cada uma queria se adornar melhor e ostentar as joias, roupas e estola mais cara. A vaidade pessoal somava-se ao desejo de refletir a riqueza e o sucesso do marido. Angelina decidiu que naquele ano de 1955, ninguém a ultrapassaria. Usaria um vestido que nenhuma das primas sequer ousaria sonhar. Com três meses de antecedência foi atrás da costureira e dos tecidos, veludo, seda e tule, e dos apliques para o bordado da saia. Seria idêntico ao modelo Dior usado por Grace Kelly no filme que ela vira no inicio do ano. Delicadas sandálias e joias completariam o look. No dia do santo, ao saírem já atrasados para a grande festa da colônia barese, inesperadamente começou a chover. Chuva graúda, não dava sinal de parar. Enfim, não podiam mais esperar e arrostaram a tempestade. Angelina escorregou na lama ao atravessar a rua. Uma dor aguda no tornozelo a fez invocar o santo. O braço do marido impediu a queda. A sandália aguentara, mas a dor era insuportável. Angelina agradeceu ao padroeiro enquanto pensava que não se deixaria abater pelo entorse. O marido tentou convencê-la a voltar para casa, em vão.

 ̶  São Vito me ajudará, respondeu, e apelou de novo ao santo para que aliviasse a dor. Entrou no grande salão apoiada no braço do marido. Foi uma entrada em grande estilo. Todas as mulheres a admiraram e, principalmente, as primas que, ocultando a inveja, vieram cumprimentá-la como a rainha da festa. Angelina distribuía sorrisos benevolentes a todos enquanto desfilava pelas mesas dos conhecidos. Quando a orquestra deu inicio ao baile saiu rodopiando a saia de tule nos braços do marido que, preocupado, não entendia como a mulher conseguia se manter em pé e, quanto mais, dançar. Foi ao auge do sucesso de Angelina. Finda a valsa, a moça pediu para irem para casa. Angelina desabou na cama. Tornozelo, pé e perna haviam inchado como um balão e a pele se tornara arroxeada. No dia seguinte foi constatada a fratura. Ninguém conseguia entender como Angelina conseguira se manter em pé e ainda dançar durante a festa. Mas ela, sim:  


 ̶  Foi mais uma graça que o meu São Vito me concedeu! Assim que puder andar de novo, vou pagar-lhe  a promessa!

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