O amor truncado
Fernando
Braga
No
outono de 1850 chegam a São Paulo, depois demorada e penosa viagem em
carruagem, o fazendeiro Josias, mulher e duas filhas jovens. Era um fluminense que
havia adquirido terras no Vale do Paraíba anos atrás, iniciara o cultivo do
café e, tornara-se rico. Tinha uma grande e moderna casa colonial em sua
fazenda, trezentos mil pés de café produzindo, onde trabalhavam cerca de 30
escravos, que viviam em senzala.
Neste
ano, em quatro de setembro, havia sido promulgada a lei Eusébio de Queiroz, que
extinguia o tráfico de escravos africanos para o Brasil e também passou a
vigorar a chamada Lei das Terras, sancionada por Dom Pedro II , determinando os
parâmetros e, normas sobre a posse pela compra em dinheiro vivo, manutenção,
uso e comercialização das terras. Foi nesta ocasião que a população urbana
ultrapassou a rural.
Pois
bem, a família hospedou-se no Hotel Universal do francês Lefebvre, próximo ao Pátio
do Colégio, onde se fazia lautas ceias, para pessoas abonadas. Carruagens passavam
pelo centro da cidade, tomando a praça da Sé, rua Direita, Rua São Bento, e
outras ruas próximas. Nesta época, a população não ultrapassava 50.000
habitantes. O Viaduto Santa Efigênia, precário, havia sido feito em 1827, bem
diferente do atual e com a Ponte do Lorena, permitiam a circulação
para o outro lado do Vale do Anhangabaú. Havia ainda a Ponte do Açu que ia até
a ladeira do Açu, futura Avenida São João, nome dado em homenagem a São João
Batista, o protetor das águas.
O fazendeiro Josias, veio a negócios
relacionados ao café, um vez que
recentemente havia sido iniciado o plantio da rubiácea no oeste do estado, por fazendeiros
paulistas, mais inseridos na dinâmica econômica do capitalismo.
Neste ínterim, as três mulheres aproveitavam
para se exercitar e conhecer, andando a pé pelas ruas e praças próximas. Uma tarde,
saíram as duas irmãs, que seguindo pela rua São Bento, Libero Badaró, chegaram
ao largo São Francisco, onde alguns estudantes da Faculdade de Direito estavam
agrupados, cantando canções românticas da época. As duas moças se aproximaram e
ficaram ouvindo, observando o animado grupo. Um deles trouxe duas cadeiras e
polidamente pediu que se sentassem. Logo estavam entrosadas, cantando junto.
Destacava-se
um jovem moreno, alto, porte atlético, bem vestido, que parecia chefiar o grupo
e que não tirava os olhos de Luiza, a mais velha e mais bonita. Por sua vez,
quando o viu, ela sentiu um impacto, aceleração em seu coração, uma sensação
diferente, deliciosa, que nunca havia experimentado antes. Inexplicável! Seria
amor à primeira vista?
O
rapaz Alexandre, por sua vez não conseguia mais afastar seus olhos dela e os
olhares passaram a se encontrar acintosamente. Sua irmã percebeu e quis se
distanciar, mas Luzia insistiu em permanecerem um pouco mais. Após meia hora, o
moço se aproximou e começaram a conversar. Ocorreu um entrosamento interessante
e ele pediu para acompanha-las em sua volta, o que foi aceito. Levou-as até a
porta do hotel e despediu-se, solicitando um novo encontro, o que foi acedido.
Assim, decorreu três dias seguidos, sempre acompanhada pela irmã. Fizeram
visitas aos pontos mais importantes da cidade.
Foi quando pela primeira vez a tocou, pegando
sua mão e foi correspondido. Em tão breve período, sentiu-se apaixonada,
acreditando que o destino a havia colocado, com toda sua força, na frente
daquele, que acreditava seria o amor de sua vida.
Conversou com seus pais, que vendo o
entusiasmo da filha, pediram para conhece-lo e convida-lo, para uma ceia no
hotel. Foi uma reunião alegre, cerimoniosa, onde o pai de Luzia, jactancioso, falava
muito de si, suas amizades, sua riqueza e de sua fazenda em Cunha.
Perguntaram
a ele, quando iria se formar em Direito. Alexandre abaixou os olhos e disse
calmamente que não era estudante da Faculdade, mas lá ia frequentemente quando
estava de folga, tinha muitos amigos que lá estudavam, inclusive um irmão. Disse que pertencia ao exército, onde era um
sargento do chamado Exército de Linha, criado recentemente pelo Imperador, para
proteger as fronteiras do país. Percebeu que os pais de Luzia sentiram um certo
impacto com esta declaração.
Mais
tarde, o pai conversou com Luzia sobre o trabalho do rapaz e pediu que se
afastasse, que não continuasse o namorico.
Ela
não conseguiu, seu coração falava forte demais, obnubilava sua mente e, tirá-lo
de seu pensamento seria insuportável, impossível.
Antes
de partir de regresso encontrou-se mais algumas vezes com Alexandre,
beijaram-se, declararam amor eterno. Insistia em querer vê-lo novamente, o que
seria muito difícil, quase impossível, moravam muito longe um do outro. Ela
acreditava, em seu íntimo, que seus pais cederiam. Prometeram trocar cartas e
acreditavam firmemente, que o destino iria pender para o lado deles.
No
último dia, conseguindo encontrá-lo a sós, entregou-se totalmente. Era a
primeira vez que cedia seu corpo, experimentava o sexo completo.
Não
se arrependeu de nada o que fez. Tinha se entregue inteiramente àquele que
amava. Tudo escondeu de sua família.
Regressou
para a fazenda, e cada dia longe de seu amor era um verdadeiro pesadelo, tornou-se
triste e pensativa, o que fora notado por todos em casa.
Aí
aconteceu! Percebeu que estava grávida e teve que comunicar o fato à mãe, que
imediatamente confidenciou ao pai. Ele ficou possesso, chegou a pensar em manda-la
sair de casa, como não era raro naquela época, ou então, teria que casar-se com
aquele irresponsável, que a havia enganado.
Quando
recebeu a comunicação de Luzia, Alexandre ficou perdido, não sabendo o que
fazer. Dinheiro era pouco, tinha seu compromisso no exército e a tropa que
comandava. E ainda, surgiam notícias de que tropas argentinas de Uribe e Rosas
ameaçavam países vizinhos e o Sul de nosso país. Pediu uns dias de licença e à
cavalo dirigiu-se a Cunha para encontrar sua amada. Após três dias de viagem,
enfim chegou a seu destino e não foi difícil encontrar a fazenda do famoso
coronel Josias.
O
encontro com Luzia f
oi indescritível, onde o amor imperou. Amavam-se de verdade
verdadeira. Colocava-se inteiramente a seus pés, assumindo qualquer compromisso
com sua amada.
O
casamento teria que ser em tempo breve, antes que a sociedade percebesse o
deslize da moça e assim, foi marcado para o início de fevereiro de 1851.
Foi
quando veio comunicação do estado maior do exército que por ordem do imperador,
tropas de São Paulo e Rio de Janeiro, deveria se reunir às tropas gaúchas para
conter a investida do exército de Rosas, que após invadir o Paraguai e Uruguai
estavam entrando no sul do Rio Grande. Estava se iniciando a Guerra do Prata.
Alexandre
pretendia deixar o exército e ir trabalhar com seu sogro, conforme haviam
combinado, mas nas circunstâncias presentes, corria o risco de ser considerado
covarde e desertor. Impossível. Não tinha volta.
Em
nova viagem cansativa, ela veio com seu pai até Santos para despedir-se de seu
futuro esposo, que tomou o vapor em direção sul.
O
tempo decorreu, algumas cartas conseguiram chegar a seus destinos e já em 1952,
próximo ao fim desta infame guerra, receberam um comunicado do exército que com
pesar, queriam comunicar a morte do bravo tenente das forças paulistas
Alexandre R. de Freitas, na realidade mais um, entre os trinta mil, que esta
guerra ceifou.
E
a vida continuou! Como tinha que continuar.