Personagens e a globalização
José
Vicente J. Camargo
Sempre
gostei de observar Personagens!
Para
onde vou, ou estou, procuro analisá-las atentamente, A expressão facial, os
olhos se miram algo, porte físico, alguma deficiência, trejeito? As mãos – delicadas,
ásperas? Corte do cabelo – curto encaracolado ou comprido liso? Seu traje – surrado,
na moda, limpo ou sujo? O gênero, cor e raça complementam a inspeção que minha memória
deposita no subconsciente para um dia busca-la quando necessário.
Essa
atração por personagens utilizei em várias ocasiões quando fiz, recentemente, uma
viagem ao nordeste brasileiro – rico em tipos característicos próprios. Entre
as tantas que analisei, um grupo me chamou a atenção, não só pelo contraste entre
seus figurantes, como também a importância da revolução tecnológica da
comunicação – a globalização – trouxe na aproximação dos seres
humanos de diferentes partes do mundo deixando-os mais sensíveis, mais receptivos
uns com os outros.
É
conhecido o caráter hospitaleiro e prestativo do nordestino. Essa
característica as senti num dos hotéis em que me hospedei, no café da manhã, servido
no restaurante “pé na areia” aberto ao mar verde esmeralda com a brisa
refrescante massageando o rosto. Mal entrei, me rodearam os garçons – todos
jovens de bermudas, camisetas e havaianas – me cumprimentando com a mão
estendida, tapinhas nas costas, largo sorriso me mostrando as mesas expostas de
frutas, jugos, queijos, frios e demais guloseimas que certamente não pertencem ao
cardápio familiar de seus humildes lares. Enquanto me apresentavam o menu
matinal iam me perguntando se passei bem a noite, qual passeio do dia pretendia
fazer, quantas cadeiras e guarda-sóis de praia queria que reservassem, se a
esposa estava bem − que horas viria para o café − e
demais perguntas e gentilezas nunca antes tivera presenciado nesta viagem. Depois, um me acompanhou à mesa, outro a
cobria de pratinhos com os quitutes selecionados e outro me trazia o café com
leite fumegante conforme pedido. Para finalizar, apresentavam-se com seus
nomes: Sou Raul, às suas ordens; sou Antônio, ao seu dispor; sou Messias, se
precisar de algo é só chamar...
Enquanto
degustava o café, continuava na minha observação do vaivém dos garçons e suas referências
gentilezas para com os hóspedes num hotel de um pequeno povoado turístico
banhado por mar, praias e lagoas paradisíacas. Sendo a economia local baseada
unicamente no turismo, e o desemprego grande, o potencial já empregado, se
aprimorava para a conservação do mesmo.
O clímax da minha
observação se deu, quando, entram no restaurante duas senhoras de peso e altura
acima do normal que, de imediato as rotulei como europeias, dado à pele alva já
avermelhada pelo sol, trajando vestidos leves de cores tropicais, chapéus de
abas largas, óculos escuros e o indispensável lencinho perfumado de secar o
suor indesejável. Uma delas, a mais velha e menos gorda, se apoiava em uma
bengala pois era manca de uma das pernas. A outra, beirando os cinquenta anos, vestia
um conjunto de praia que deixava visualizar a flacidez das gorduras comprimidas
pelo maiô apertado. Mas ambas demonstravam um semblante de felicidade com certa
superioridade tal qual misses entrando na passarela para vencer. O brilho de
seus olhos competia com os do sol e suas pálpebras piscavam como as asas das
borboletas que pousavam nas frutas maduras. Seus narizes perfilados acima lembravam
os das belezas gregas. A cena transmitia a quem a visse, um ar de harmonia e
paz lembrando a “incrível leveza do ser”. O motivo de tal encenação se
deixa explicar, quando os garçons, ao vê-las, correm a rodeá-las dando em cada
uma um abraço com um beijinho em cada face. Dado a falta de reação delas para
ato tão incomum – impossível de acontecer em seu país de origem − avaliei que
não era o primeiro café da manhã que curtiam no restaurante. Seguindo a praxe,
os jovens serviçais se desdobram para atende-las, principalmente a manca. A
sentam em cadeira confortável e a carregam para debaixo de um frondoso chapéu-de-sol
seguida pela companheira em ligeiros passinhos na ponta do pé e pela fila de
bandejas repletas de pratinhos, copos e xicaras contendo as solicitações do bufê:
− Eu sou o Raul,
às suas ordens
Obrigada, obrigada!
− Eu sou o
Antonio, ao seu dispor
Obrigada,
obrigada!
− Sou Messias, se
precisar de algo é só avisar
Obrigada,
obrigada!
Após o café da
manhã, as carregam para as cadeiras de repouso estendidas na praia sob
coqueiros verdejantes. Ao passarem por mim, com semblantes sorridentes, me
lembram as odaliscas carregadas em macas douradas nos tempos dos faraós.
Não sei quantos
dias ficaram no hotel, só descobri que eram francesas e de português só sabiam
o básico “Bom dia e Obrigada”. O diálogo entre as partes se dava por
mímica acompanhada de alegres sorrisos e olhares. Este grupo de personagens me
marcou dado ao seu contraste. As duas senhoras se olvidaram por alguns dias dos
bullyngs que provavelmente sofrem desde a infância dado ao defeito físico e ao
excesso de peso. Ali, no hotel, passaram dias cortejadas com abraços, beijinhos
e gentilezas que nos países nórdicos não é, nem de longe, um costume. Os jovens
sentiram orgulho por terem seus serviços reconhecidos com tantos “obrigada,
obrigada!”, coisa que para muitos hóspedes passa indiferente.
Esse exemplo de
valorização pessoal, de confraternização de diferentes povos é um de
muitos benefícios que nos trouxe a globalização...
Legal sua observação! Seu texto conseguiu traduzir tão bem que parecia que eu estava alu. Parabéns!
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