A pílula da juventude
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Os
dois eram amigos de longuíssima data. Giuseppe e Tonio, ambos filhos de imigrantes da mesma
região da Itália. Tinham crescido na mesma rua do bairro da Mooca, ido à mesma
escola de bairro e aprendido o mesmo ofício dos pais, vidreiros. O bairro
mudou. Os dois idosos, beirando os
noventa anos, já não podiam sentar-se na calçada ao entardecer. Ainda saudáveis e independentes encontravam-se
todas as tardes na padaria da esquina para conversar sobre os velhos e novos
tempos. O assunto dos novos tempos era a pílula geriátrica fartamente anunciada
como a última novidade para reverter os danos do envelhecimento e prolongar a
vida.
Na
televisão, no rádio, no celular, por
todo o canto a maravilhosa pílula era apregoada prometendo longevidade até 150
ou mais anos sem os incômodos e ruínas da velhice. Em outras palavras, vigor
físico e mental com a ingestão de apenas três
pílulas ao dia . Tal maravilha tinha obviamente um custo em vista dos
ingredientes extraídos de plantas raríssimas encontradas nos recônditos das
florestas asiáticas. Era um deus nos acuda!
Todos procurando as chamadas pílulas G e pagando o que fosse pedido. Ninguém se importou quando o tal Dr. Frank, o
primeiro a desenvolver o medicamento, começou a aparecer na televisão alertando
para os efeitos colaterais.
Giuseppe
e Tonio também tinham
acompanhado a febre da pílula G, mas eram saudavelmente céticos quanto
aos seus efeitos milagrosos além de não terem dinheiro para comprar a panaceia
de custo exorbitante. Naquela tarde de
quinta-feira tomavam a costumeira cerveja e o assunto à mesa de novo era a pílula.
Sabiam
que Manuel, dono da padaria e amigo da dupla, tinha as preciosas e as tomava regularmente. O
português, mais novo que ambos, mas já
bem vivido em seus setenta anos estava
encantado. Dia sim, dia não vinha sentar-se à mesa dos dois italianos, para em
voz macia relatar as peripécias libidinosas
da noite anterior. Claro que não com a sua fiel Maria, há muito desacostumada
dos prazeres carnais. Tinha encontrado
uma fogosa companheira bem mais jovem que visitava regularmente.
Os
dois nonagenários, inicialmente
divertidos com o reencontrado vigor do amigo, após alguns meses começaram
a ficar preocupados. Manuel havia emagrecido e frequentemente tinha olheiras e
o ar cansado. ─ Bate-me rápido o
coração e tenho falta de sono, dizia ele, piscando o olho para os amigos. Já não prestava tanta atenção ao movimento do
caixa. Porém bastava alguma freguesa bem torneada entrar no estabelecimento,
despertava e acendia o olhar cobiçoso acercando-se da presa.
As mulheres se sentiam incomodadas com as atenções, mesmo que disfarçadas, do comerciante . A freguesia
começou a minguar. Manuel queixava-se que o lucro tinha diminuído e suspeitava
dos funcionários.
Foi
então que Beppe e Tonio decidiram
intervir. Começaram por tentar convencer Manuel a parar de tomar as
pílulas G. Sem sucesso, é
claro. Como iria desistir dos prazeres
noturnos proporcionados pela bela Adalgisa? O portuga também reclamava que o
preço das pílulas disparara e agora só as conseguia no câmbio negro a preço
exorbitante.
Os
dois italianos montaram o esquema para salvar o amigo. Num sábado tranquilo chamaram
o Manuel para a mesa e o encheram de histórias. As pílulas compradas a peso de ouro poderiam ser
falsas, estavam lhe causando insônia e seriam
as culpadas pela perda de atenção nos negócios.
Ofereceram
os préstimos do sobrinho de Tonio que era químico para fazer a análise. O português, a contragosto, lhes forneceu duas preciosas pílulas da caixinha.
Caixinha que zelosamente guardava no
bolso da calça devido ao aparecimento
de ladrões especializados no furto do
cobiçado remédio.
A
análise do químico foi categórica. Eram pílulas de testosterona, misturadas a farinha, extrato de gengibre e menta.
Manuel ficou consternado. Gastara cinco mil reais na última remessa. A conselho
dos amigos foi procurar um médico. Lá
ouviu que estava com pressão alta, e a
insônia e problemas de atenção e ansiedade eram provavelmente todos causadas
pelo hormônio. Tinha que parar a ingestão e em dois meses todos sintomas
despareceriam. Pensou na Adalgisa. Teria na melhor das hipóteses ainda um
mês para gozar as alegrias dos
encontros. Mas o que realmente lhe doeu
foi saber que o hormônio era vendido a
preço muito barato nas farmácias. Quanta
grana tinha gasto com as pílulas G.
O que fazer? Denunciar ? Tentaram, pelo Face,
WhatsApp, Instagram, enviaram mensagens a
programas de rádio, escreveram a dois jornais mas não adiantou. O povo
continuava a comprar o milagre da juventude apesar dos alertas médicos que
pipocavam
Só
depois de vários meses a fraude veio à tona e os fabricantes foram presos. Os
dois amigos, Beppe e Tonio, caíam na risada todas as tardes na padaria ao ouvir
as queixas de outros ludibriados. Nós avisamos, nós avisamos, repetiam. E os tolos não
acreditaram! Até mesmo o Manuel , já curado dos efeitos colaterais da
pílula G , ria junto com os dois embora,
vez por outra, não conseguisse disfarçar alguma melancolia ao lembrar das noitadas
com Adalgisa.
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