O sapato e a meia - Fernando Braga




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O sapato e a meia
Fernando Braga


Walquíria, mais conhecida como Wal, tinha um hobbie! Colecionar sapatos! Ia frequentemente a shoppings, onde uma de suas maiores distrações, era parar na frente das lojas de sapatos e ficar apreciando os modelos, as cores, saltos e principalmente, a elegância dos mesmos. Às vezes não resistia, provava um deles, desfilava frente a um grande espelho, via como ficava em seus pés, virando-os de um lado e para outro. Bastava o sapato ser um pouco diferente para provar e comprar. Chegando em casa, imediatamente abria a caixa, colocava o sapato comprado e novamente desfilava, pensando agora nas meias e no vestido que iria usar, para a combinação perfeita. Chamava sua empregada para opinar, pedindo a ela, que nada comentasse, quando o marido estivesse presente. Sabia que ele reclamaria da nova compra. Também, não era para reclamar?

Ela percebeu que, só não poderia comprar sapatos com saltos muito altos, porque ficaria mais alta que o marido, o que todos reparavam, quando fossem dançar.

Tinha em seu guarda-roupa, uma ala, apenas para guardar as dezenas de sapatos, sandálias e tênis, colocados em diferentes níveis e posições. Alguns colocados mais atrás, tinham sido usados há um bom tempo, preteridos em prol, dos mais recentemente comprados.

Quando viajava para o exterior, principalmente para Paris e Nova Iorque, não deixava de comprar pelo menos quatro deles, o que o marido reclamava, segurando o gasto exagerado de Wal.

Mas, não tinha jeito, era uma fixação!

Ao mesmo tempo, para combinar com seus sapatos, Wal não deixava de comprar meias longas, médias e curtas, de seda, algodão, nylon, de cores variadas, que combinassem com os sapatos.

Sapato novo que usasse em uma festa, casamento, aniversário, somente voltaria a usá-lo bom tempo após, para que suas amigas não comentassem: - Novamente você com este “shoe”?

O marido, dizia sempre, que ela era uma verdadeira Imelda Marcos!
Vejam o que aconteceu, certo dia. Ema entrou na loja, pediu para ver um sapato beije, de salto médio grosso, que sentiu ser muito bom para dançar, o que lhe daria maior estabilidade nas evoluções que adorava fazer, para aparecer!

Ao mesmo tempo, na mesma loja, comprou uma meia média, com a parte superior de cor lilás, que tinha preço bem superior, ao que imaginava. Quando soube, que era de procedência italiana, pagou caro, mas levou-a. Chegando em casa, vestiu ambos, ficando desfilando para cá e para lá, em frente ao espelho, concluindo que mais uma vez, havia feito boas compras, pois os estilos e cores combinavam perfeitamente.

Aquele breve período, que não durou mais que 15 minutos, foi o suficiente para que o sapato beije, se apaixonasse, pela meia lilás. Tiveram uma relação curta, mas tão íntima, um sentindo o calor do outro, raspando corpo a corpo, que ao se separarem, ele pensava ansiosamente, no próximo encontro. O mesmo ocorreu com ela, que entrou em delírio quando penetrou no sapato beije, vestindo os lindos pezinhos de Wal

Ambos tinham que se encontrar novamente! Mas, quando? Quando?
Quando Wal abria seu guarda-roupa, todos os sapatos, principalmente o beije, excitados esperavam pela mãozinha da patroa. Era enorme a decepção para uns e alegria para poucos, para aqueles melhor situados, na frente.

Certa noite, já usando aquela meinha lilás, Wal abriu o guarda-roupa e passou a olhar demoradamente para seus sapatos. O sapato beije que contava os minutos de sua vida, para novamente encontrar-se com sua queria meinha, queria gritar, sapatear, para ser erguido pela dona. É agora que vai me escolher!  Suplicava ele em seu imo!

Wal, escolheu um sapato marrom, baixo, sentou-se na cama, colocou-o e saiu, após fechar a porta do guarda-roupa. O sapato beije, que havia feito de sua vida, uma vida paralela à de sua querida, idolatrada meia lilás, queria morrer. Assim, já era demais, para seu pobre coração de couro!

Eis que, após, cinco minutos, a porta novamente se abre e Walquíria, com o sapato marron nas mãos, recoloca-o em seu lugar, olha para o beije e apanha-o. Após colocá-lo nos pés e desfilar, confirmou:

“É esse mesmo!  Vai ser hoje! Quero dançar até amanhecer!“

Finalmente, quando chegou em sua casa, pela madrugada, exausta, sentou-se na cama e tirou os sapatos dos pés e imediatamente, fez observar a seu marido, ao lado:

- Meu bem! Veja! Eu estou com os pés molhados! Deve ser de tanto dançar, pular!

- Não é só isto, enfatizou ele. Você também está com forte chulé! E com cheiro forte e diferente! O que nunca havia percebido antes, em seus pés!

Ponto final!


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