Peru ou bacalhoada?
José
Vicente Camargo
Era
uma manhã de segunda-feira de primavera. O ar estava fresco após a chuva fina
da madrugada. O sol prometia esquentar aquele céu azul de brigadeiro que nos dá
mais ânimo pra enfrentar as preocupações do momento. Tinha acabado de voltar de
uma viagem de férias e hoje seria o primeiro dia do “conta-conta como foi” no
escritório. Ao emergir da escada do
metrô direto na calçada da avenida, levo um susto. Como, já chegou?
As árvores
dos canteiros já estavam embrulhadas em luzes de Natal. Simultaneamente,
percebo que as vitrines das lojas que também estão recebendo os primeiros
retoques natalinos: “o tempo corre, não dá tempo nem pra arquivar as fotos da
festa do ano passado e lá vem o Natal, e com ele as indecisões chatas de
sempre, onde e com quem passar, arrumar tempo pra compra dos presentes, dar
qual presente pra quem e a principal que é – o que preparar para a ceia ”
Para
esclarecer essas dúvidas serão dias de discussão com a família, pais, parentes
e amigos. Até por tudo num único saco, leva tempo e muito palavreado. Mesmo
assim, no final, tem sempre alguém que reclama e se diz prejudicado.
Me
recordo do “vaivém” do ano passado, se fazia churrasco no puxadinho de fora ou
pernil na mesa da sala. A maioria foi pelo churrasco, mas os idosos se queixaram
do sereno da noite e que no próximo ano iriam querer voltar ao conforto da sala
com um prato mais leve para a digestão noturna como peito de peru ou bacalhau ao
forno.
Com
esses pensamentos complicados, chego ao escritório e, como esperava, sou
cercado de perguntas sobre como passei as férias, se isso, se aquilo, se tenho
dicas para dar, etc. Eu resumo o máximo possível ao mesmo tempo em que procuro
saber das novidades no trabalho.
− Por
aqui tudo em ordem, nada de novo, me dizem os colegas. A não ser o sorteio que
faremos com o resto do dinheiro que sobrou do bolão que organizamos para o “vencedor
do brasileirão”. Como participante do bolão, seu nome tá na lista do sorteio. A
prenda é surpresa da colega Marilu, ela que deu a ideia, escolheu a prenda e é
quem vai sortear o nome do ganhador.
Após
essa recepção, vejo na minha mesa várias pastas para analisar, corrigir e
encaminhar ao Diretor para aprovação. Portanto, sem perda de tempo, mergulho no
trabalho de corpo e alma deletando outros pensamentos e assim continuo nas
próximas semanas. Porém, com a aproximação do Natal, me assaltam novamente as
dúvidas sobre os preparativos para a festa do Menino Redentor. O local e convidados
a família já definiu, mas falta a cereja do bolo: o que servir de prato principal?
Uns, mais jovens, querem churrasco novamente, os mais velhos optam por peru, talvez
um tender, ou um bacalhau light... E eu fico, como nos anos anteriores, na
encruzilhada levando broncas e reclamações quando algo sai errado no cardápio
escolhido. Este ano, penso em delegar
essa função a outra pessoa, quem sabe ao meu irmão mais velho? Minha esposa há
anos já definiu a parte dela: comprar os ingredientes para o preparo da ceia e
os enfeites da mesa.
Dias
depois chego ao escritório mais tarde depois de uma visita a um cliente e encontro
o ambiente em reboliço:
–
Hoje cedo fizemos o sorteio do bolão, diz Marilu. Sobre sua mesa tem uma carta que
Papai Noel deixou:
Abre!
Abre! Gritam todos na sala. Marilu continua:
− Você foi o
sorteado! No envelope está o local, dia e hora para a retirada da prenda.
Abre! Abre!
Abro o envelope,
tiro um “voucher” e leio:
“Você
foi agraciado com um “Cruzeiro Natalino all included” para duas pessoas, retirar
na agência etc, etc...”
Sou
abraçado pelos colegas pela sorte que tenho, mas depois, no metro de volta a
casa, fica uma frustação:
Natal
sem a família completa, sem filhos, pais, será que nos perdoarão?
Vou
deixar a esposa decidir! Por mim daria a Marilu a viagem de navio −
assim fico com pontos positivos para quando a convidar para um almoço no motel
da avenida –
e
eu continuo com água na boca para que a minha sugestão para o prato da ceia
seja a escolhida:
“leitão
pururuca... “
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