DO XIX PARA O XXI
Oswaldo
U. Lopes
Tinha suspirado, tinha
beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas
sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saia delas,
como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de
estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência
superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada
passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! – O primo Basílio -Eça de Queiroz –
Maria Eugenia parecia
saída de um comportado livro de fim do século XIX, quieta, caseira, comportada,
cheia das virtudes que se convencionaram associar às figuras femininas daquele
tempo.
Parecia...
Mas, não era. O diferencial estava no andar de baixo. A biblioteca do avô.
Livros em quantidade e por toda parte. Arrumados nas estantes e desarrumados no
chão.
O
avô também parecia, parecia, uma figura de seu tempo, bengala de castão, óculos
pincenê, polainas e andar cadenciado. Mas, quando se fechava na biblioteca,
mudava, glorificava. Se tornava um cavaleiro saído de um dos seus
inúmeros livros e recitava, contava histórias, subia nas cadeiras, pulava nos
sofás.
E para quem falava e interpretava,
soberbo ator, maravilhoso criador de romances e histórias? Para sua querida
neta Maria Eugenia que, senão era a única a poder ingressar no recinto, era a
única a ter o privilégio de vê-lo nas suas maravilhosas criações.
Guiada
pela mão do avô, a menina vira representações e lera livros que nem em sonhos a
cultura e o ambiente da época teriam lhe permitido fazer, a não ser no
recôndito daquele refúgio.
Tinha
assim uma dualidade que não era visível, embora presente, intensa e forte. Uma
aparente docilidade e fragilidade que ocultavam um espirito lúcido e vívido.
Tinha ideias claras sobre o mundo e seu lugar nele.
Guardava
no seu interior, um fogo de pensamentos que teriam matado de vergonha sua avó e
levado ao desespero sua mãe.
Algo,
porém, vazara. Um alguém muito especial lhe enviara aquela carta que a fez
pairar no ar, mergulhar numa existência superiormente interessante, sentir-se
estirar num banho tépido e orgulhosa pensava em si e no próprio corpo.
Sentiu-se
marcada como num cruzamento. Não ia mais seguir na dualidade. Seria uma só, e com
certeza, seria a do avô.
Olá Oswaldo
ResponderExcluirgostei muito desse seu conto. Trazer um personagem de livro e dar-lhe outra vida e destino, que ótima ideia!
Ab
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