CONTO DE NATAL
Versão
carioca de um conto de Natal de Hans Christian Andersen
Ises
de Almeida Abrahamsohn.
Tavinho percebeu de
longe a ronda policial. Enveredou pela viela estreita atrás do mercadinho ao pé
da Mangueira. O garoto conhecia a área como a palma da mão.
Logo os vermes vão
embora. É véspera de Natal. Vão comer peru, e panetone e coisa e tal, pensou ao
se esconder no caixão de lixo dos recicláveis. A mãe iria trazer o panetone
dado pela patroa. Tomara que dessa vez fosse aquele mais caro, de chocolate, o
outro de frutinhas ele não gostava, não. Tava ali na moita, tinha que pacientar
até os meganha se mandarem.
Tavinho era um avião
esperto. O menino franzino de onze anos estava no vaivém do tráfico desde os
nove. Fazia o horário das cinco até onze
da noite. O padrasto era vapor: aquele cara que trabalha com bagulho e cocaína
em pequenas quantidades. O garoto não tinha como recusar o serviço. O homem até que o tratava bem, enquanto
fizesse o trabalho. Mas Tavinho sabia, já entendia das coisas. Para ficar com a
mãe tinha que trabalhar de avião.
Ficou ali agachado no
meio das caixas de papelão quando ouviu os passos dos policiais entrando na
viela. Pô, que é isso, estão de batida? Hoje?
Devem estar atrás de algum gerente ou chefe. Se me pegarem estou limpo. Trouxe o último branco para um play mas já faz
mais de hora. Tá fraco, hoje. Os play
tão tudo com as família.
Ainda não escurecera. Tavinho imóvel no esconderijo
olhava as embalagens à sua volta. Fixou os olhos nas coloridas. Eram duas
caixas, de cartão brilhante branco estampado com árvores de Natal carregadas de
bolas e luzes coloridas. Embaixo de cada árvore pacotes e mais pacotes de
presentes. O garoto já tinha visto muito na TV. Era o Natal dos ricos, sabia.
Mas gostava do seu próprio Natal. A mãe fazia frango de panela e ele e os dois
irmãos mais novos comiam sorvete e panetone.
No ano passado ganharam carrinho e bolas na Igreja do Leme. Também lá,
pela primeira vez viu um presépio. A mãe explicou que era o que se comemora no Natal:
o nascimento do menino Jesus. Ele perguntou: e a árvore com as luzinhas e os presentes? Aí
a mãe disse que não sabia. Devia ser coisa de outros países. O menino pegou uma
das caixas de Natal para levar para casa e enfeitar a mesa.
Agora já virara noite. Tavinho se
esticou e arriscou um olhar pela viela escura e silenciosa. A luz fraca
filtrando da janela quebrada do depósito iluminava talvez uns cinco metros. O
garoto esperou mais um pouco antes de passar a perna por cima borda do caixão
de lixo. Sentindo-se seguro, pulou para o chão. Ouviu o primeiro disparo que pegou
na tela de metal. O segundo tiro apanhou-o nas costas ao tentar se esconder.
Caiu abraçado à caixa enquanto pensava no jantar de Natal em casa dali a pouco,
logo, logo... a mãe e o panetone de chocolate.... A dor.... Difícil respirar...
a cada vez mais débil até parar de vez.
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