QUASE A 4ª VEZ
Mario Augusto Machado Pinto
..28,29,30 passos.
Posso ir de olhos vendados. Já curti
isso vezes sem conta. Pronto! Afastam a poltrona e eu me sento. Os moveis estão sempre no mesmo lugar, os
estofados com o mesmo pano e o mesmo pó...
A sala continua igual. Piso
acarpetado, um persa por cima (!), moveis Luiz 14, pinturas diversas (uhn, como
mandei, tiraram meu retrato), sofás, poltronas, mezinhas. Enfeites? Trocam sempre. Flores? Só camélias. Por
quê? Me gustan! Ainda bem que tiraram
o lustre imenso do teto. Poderia cair na minha cabeça. Sou testa dura, mas não
aguentaria. Agora há luz indireta, ar
romântico.
Ninguém acredita, mas eu escrevo meus
discursos. Releio minha fala de hoje:
-MEUS
QUERIDOS AMIGOS DE SEMPRE!
VAMOS
CONVERSAR SOBRE ASSUNTO IMPORTANTE E GRAVE QUE POSSIVELMENTE TEREMOS QUE
ENFRENTAR EM BREVE FUTURO!!!
Aqui venho três vezes ao ano (quase
sempre): festa da nossa Independência, meu aniversário e 1º de janeiro. Por que
1º de janeiro? Ora, é o dia de desejar Bom Ano Novo aos meus súditos! E o 31 de
dezembro? É Ano Velho! Basta os que já tivemos!
Que bonita tarde! O por do sol aqui
tem cor diferente, é amarelado com nuances azulado. É anunciado alegremente
pelo canto das aves colorindo nosso céu de cores que lembram as do arco-íris.
Lembranças... Saudades de você,
Karol... O primeiro beijo... Desagradável vir aqui, hoje, provocando a 4ª
vez... Não posso aparentar tristeza ou
desânimo...em voz baixa, ler, ler para bem dizer...Continuo lendo:
-Eu
e mais os três Chefes de Estado vizinhos chegamos de cinco dias de extenuantes reuniões
em Haia para tratar das descabidas exigências comerciais de Maulo, há vinte e
dois anos ditador da República de Recao (entre nós, Rerê).
Nós
quatro ainda somos países de economia agrícola. Temos tratados comerciais que
preveem exportarmos metais, diamantes e
terras raras a Recao. É só o que temos. Sua venda é feita a preços do mercado
internacional. Isso nos proporciona recursos para aplicar em aperfeiçoamento do
ensino e educação, enviar os melhores estudantes ao exterior, cuidar da saúde de
todos nós, estender saneamento básico a toda Nação. Fazemos isso agora, mas
Maulo quer porque quer que setenta por cento do valor que exportamos a Recao
sejam destinados a importar bens que reexporta: veículos de passageiros (quase
todos andamos descalços), geladeiras (não temos tantos alimentos para guardar
ou congelar), aparelhos de TV (só há TV Educativa para as escolas),
combustíveis (são poucas as ambulâncias), itens militares (não temos forças
armadas) e outras loucuras, como material atômico!!! Atômico! Imaginem!
Há meses estava tão preocupado com a
agressividade do que Maulo chama de diplomacia que após acordo com os nossos vizinhos encarreguei nosso embaixador na ONU propor uma reunião
informal com os membros do Conselho para
auscultar suas opiniões sobre o “Caso Recao”. Foram quatro votos condenando as
atitudes de Maulo e uma abstenção. Quatro a zero! Não esperava tanto.
A seguir tenho que ser enfático. Convincente!
Não
aceitamos que quatro países tenham que enfrentar militarmente a outro que
inicialmente, pela força econômica, quer impor sua vontade politica a seus vizinhos.
Nem a outrem. . A exemplo de Costa Rica, não temos forças armadas; também não
temos presença politica universal nem foguetes para lançar artefatos com bombas
atômicas ou não. Há que respeitar o Direito e o desejo de resolução de
problemas sem ameaças à Paz entre as Nações.
Nesse instante devo dar uma paradinha
de efeito. Pigarrear e continuar:
Para
resolver as controvérsias temos instituições que nós, Nações, criamos para esse
fim.
Não
concordamos com o uso da pressão diplomática.
Esperarei mais um pouco para dar o
golpe politico final.
Faço algumas considerações
sentimentais, clamo pelo entendimento entre as Nações, nossa gente que só tem a
perder com nossos desentendimentos. As
criancinhas, os idosos, etc. Às vezes é preciso usar disso aí, mas a tempo e
hora. Quem me conhece sabe.
Então, continuo:
Nossas contrapropostas foram simplesmente
recusadas. Seremos invadidos, obrigados a provar o fel da iniquidade, engolir
nosso orgulho, ter vida desonrosa ou matar e morrer. É o que queremos? Não!
Então,
nós, as quatro Nações teremos que nos engajar e preparar nossos súditos amigos
para a guerra.
Nesse
sentido, declaramos aqui e agora, Estado de Beligerância com a República Recao.
Como
sinal de boa vontade e amizade contínua, meus amigos, propomos ao nosso
vizinho...
Interrompo meu discurso e faço sinal
para meu Ministro do Exterior dizer perto do microfone:
-Aqui
estão os documentos de sessenta e duas Nações apoiando nossas alegações e propostas
para a solução do impasse nas negociações. É apenas o inicio... Estão chegando
mais...
Tendo às mãos o maço dos documentos,
digo modestamente, mas com orgulho triunfal:
...
Que aceite nossas propostas. Temos certeza que as aprovará.
Meus
queridos cidadãos: voltarei em primeiro de janeiro do ano que vem assegurando-lhes
a Paz e a Felicidade que hoje lhes ofereço.
Não me ocorre dizer mais nada.
Faltam mais quinze segundos.
Pigarreio, bebo um pouco d’água, olho o teto...
...Três, dois, um...VAI!!!
Começo:
MEUS
QUERIDOS AMIGOS DE SEMPRE!...
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