A
Chave do Enigma
(trechos)
Fernando Sabino
Minas
O
TURISTA perguntou ao mineiro por que o Estado de Minas
Gerais é conhecido como "As Alterosas".
— Sei não — foi a
resposta. — Vai ver que é por causa das mulheres mineiras, que são muito
alterosas. Basta uma para dar logo alteração.
CAMINHANDO pelas ruas
de São João del Rei. Uma dor de cabeça renitente pede com urgência um
comprimido. Se fosse dor de dente, pediria Cera Dr. Lustosa. Ainda há em São
João quem se lembre do próprio Dr. Lustosa, criador da milagrosa cera, cujo
cheiro característico me vem da infância. Não encontro nenhuma farmácia aberta.
Abordo um passante, que me informa polidamente haver uma de plantão perto da
Estação Rodoviária.
— E é muito longe a
Rodoviária? — pergunto.
— É — responde ele
apenas, e prossegue o seu caminho.
SABARÁ
é
a terra da jabuticaba. De repente, em certa época do ano, Belo Horizonte se
esvaziava: todo mundo vinha a Sabará chupar jabuticabas, que eram vendidas no
pé. O freguês chupava quantas quisesse, até cair do galho. Só não podia levar
nenhuma.
Há algum tempo um
velho coronel mineiro, intrigado, perguntava:
- Todo mundo agora
está indo para a Europa: o Juca já foi, o seu Chiquinho também, o Zé da Sá Rita
está de mala pronta... É tempo de jabuticaba lá?
NO
QUE
eu depender de informações desses meus conterrâneos, acabo indo parar na casa
da mãe Joana. Pergunto a este outro, no posto de gasolina, a distância dali até
Diamantina.
— Não é muito perto
não. Mas também não é longe — informa ele, sério.
— Quanto tempo vou
levar daqui até lá?
— É conforme, uai. Se
correr muito, leva pouco, se correr pouco, leva muito.
OS
BECOS em Diamantina conservam os nomes da época do ouro
e dos diamantes: Beco das Caveiras, das Gaivotas, da Tasca, do Rapacuia, da
Paciência, do Pinta-Ratos. Cada um com sua motivação histórica: o do
Pinta-Ratos, por exemplo, é homenagem a um pintor que, para se vingar da
Irmandade que lhe devia um dinheiro, trancou-se na sacristia da igreja e pintou
dezenas de ratos em suas paredes; o da Paciência era usado para despejo do lixo
e pelos tropeiros, que ali satisfaziam suas necessidades — paciência houvesse
para passar por ali.
—
SE
sou mineiro? Bem, é conforme.
Tudo é conforme:
sabe-se lá por que estão perguntando? ? O que é ser mineiro, afinal? Basta ter
nascido em Minas? Manhoso, ladino, cauteloso, desconfiado — tudo isso junto.
Experimente perguntar-lhe com delicadeza:
— Como é mesmo o seu
nome todo?
Ele responderá,
também delicado:
— Fale a parte que
você sabe.
Se por sua vez não
perguntar:
— Por que você quer
saber?
TUDO
que me ocorre dizer sobre o mineiro já foi dito, contado e recontado. Só mesmo
me valendo mineiramente do que já escrevi sobre o enigma de Minas:
"Dentro de mim
uma corrente de nomes e evocações fluindo desde as minhas origens, como o Rio
das Velhas no seu leito de pedras, entre cidades imemoriais... Prefiro
estancá-la no tempo, a exaurir-me em impressões arrancadas aos pedaços e que
aos poucos descobririam o que resta de precioso em mim - o mistério de minha
terra, desafiando-me como a esfinge com seu enigma: decifra-me ou devoro-te.
Prefiro ser
devorado."
Trechos extraídos de
"A Chave do Enigma", Editora Record - Rio de Janeiro, 1999.
Tudo sobre o autor em
"Biografias".
Origem: Releituras
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