Boca Fechada não Entra Mosca - José Vicente Jardim de Camargo

 

Boca Fechada não Entra Mosca   
José Vicente Jardim de Camargo



O calafrio cada vez mais forte ia lhe tomando o corpo, a dor de barriga aumentando, as pernas começavam a tremer qual taquara verde. Ofegante, respirava fundo para dar tempo às ideias se recomporem, se orientarem, se o que estava fazendo era o correto. Talvez encontrasse outra solução, outra saída menos dramática, menos sofrida. Mas qual, logo voltava aquela maldita voz a lhe apunhalar a consciência, a lhe lembrar da promessa feita com tanta valentia, com tanto euforia e galanteios, na frente da galera toda, reunida no happy-hour, pasmada com a coragem do desgraçado.

E ele, na mira de todos os olhares, curtia, sem papos na língua, a gloria de gostosão. Efêmera é verdade! Mas que regada a pinga parecia eterna no pedestal da burrice.

Se arrependimento matasse, preferiria a cova, o silêncio, pelo menos estaria livre desse pesadelo, dessa falta de ar, dessa angustia.

Mas o vento frio a lhe fustigar a cara e o ruído dos motores lhe traziam de volta a dolorosa realidade. Ir enfrente ou sofrer o bulling das jacotas, engolir o descaso da batota e, nessa era digital de facebook, twiter e o escambal, sua covardia estaria de imediato na boca de todos, nas piadas jocosas, o descrédito seria mortal.

Não, não via alternativa. O negocio era continuar, fazer das tripas o coração. Largar de ser burro, saber calar a boca na hora certa. Em boca fechada não entra mosca! Nem merda! Como era este seu caso.

E ele, de prontidão na porta aberta da aeronave, via, cada vez mais distante, a paisagem diminuir, casas, carros, estradas agora eram pontinhos sem movimento. A paisagem parecia um tabuleiro de xadrez, cheia de quadrados coloridos.

E esse trem não parava de subir, dando voltas e voltas, roncando e quando nuvens brancas começaram a surgir, lhe aumentando a imensidão do vazio, o coração lhe veio à boca, lhe tapou o grito de Pare! Chega! Desisto!

Sem tempo nem volta! O sujeito ao lado levantou o polegar da mão direita, sinal combinado que atingira a altitude de três mil metros, novo recorde do clube de pára-quedas local, e com um empurrão lhe arremessa ao nada, a abraçar o pão que o diabo amassou...

Um alarme sonoro lhe rouba a sensação da queda. Confuso, sente o desconforto do pijama molhado. Decidido agarra o celular:


— “professor, sobre o salto de amanhã vou pensar melhor, acho que  falta mais treino...”  

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