O velhinho que virou comunista por um bom boquete - Vera Lambiasi



O velhinho que virou comunista por um bom-boquete            
Vera Lambiasi

 Já no fim da vida, inutilizado pelos filhos, Cornélio tem na acompanhante gostosa sua maior fonte de prazer.

    Ahhh ... Como ela me banha com carinho, demorando-se nas partes mais íntimas. Esta mulher merece um apartamento na Vieira Souto, um não, dois, um para ela desfrutar comigo, e outro para a filha. Essa moça sim, me enxerga como sou, sem essa maldita cadeira de rodas. Olha como ela me desliza pelas calçadas, diferente dos meus netos, que não têm o menor traquejo com a geringonça. Dão cada tranco que quase me adiantam a morte. Ela me leva ao colo, acaricia, transporta-me ao automóvel. Sim! Vou comprá-la um carro também! E outro para filha. E as refeições ... Leva-me comida à boca com tanto carinho, chega a salivar junto comigo. Podíamos ir a um restaurante chique, comer lagosta. Que tal ? Vou convidar a filha dela, as colegas,  formamos uma grande mesa. E as idas ao Shopping , então. Deixa-me comprar dúzias de calças e camisas, tem a minha senha, paga tudo com gosto. Lembra da minha mulher? Economizava meu próprio dinheiro, uma chata. Mas a cuidadora não, diz que é tudo meu e posso gastá-lo como quiser. E reluta em aceitar presentes, viu? Depois de muita insistência pega alguma coisinha na Chanel. Envergonhada, aceita um mimo para a filhota também. Uma pérola de pessoa. Boa ideia, vou encomendar-lhe um colar. E um mais fininho para a filha. Estou feliz da vida, meu amigo, e você ?

— Eu ainda moro com meus filhos e netos, uma aporrinhação, pegam       
    muito no meu pé. Me passa o celular desta santa, quem sabe ela não    
    cobre a folga da cozinheira.


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