O SORRISO DE MARIANNE
Carlos Cedano
Sofia e Bernard tinham fugido da fazenda do
avô dela. O avô Mr. Renaud, homem rude
e cruel, tinha acumulado uma imensa fortuna explorando o trabalho escravo nas
suas fazendas e minas de ouro na África Oriental.
O casal tinha certeza da vingança do avô, que
nunca aceitaria sua neta se apaixonar de um escravo, aliás, nunca teria
imaginado essa possibilidade.
Os amantes já tinham trocado seus nomes,
agora eram Renée e Francis. Partiram à noite no barco de mestre Borges, estavam
ansiosos por chegar ao morro que fica perto da cachoeira submersa para
recomeçar suas vidas. Queriam esquecer os horrores do escravagismo e do temor
constante de serem descobertos pelo avô.
A embarcação chegou ao morro de madrugada, o
povoado era pequeno e percebia-se que, além dos negros também moravam aí,
indianos, descendentes de árabes e até chineses, e a mestiçagem entre
holandeses e franceses.
Mestre Borges levou o casal até o Padre
Simon, que já tinha informações da chegada deles.
— Para quando a criança? - Perguntou o sacerdote.
— Para daqui a quinze dias - respondeu Renée.
— Já está bem perto né? - Completou Francis.
— Temos que preparar tudo - disse o padre,
dirigindo-se as duas atenciosas e sorridentes senhoras.
Duas semanas depois nascia a pequena
Marianne, nascia no primeiro dia do Século 20. Nesse mesmo dia foi batizada
pelo Padre Simon numa cerimônia ecumênica.
Não foi difícil para o casal integrar-se à
comunidade e estabelecer boas relações com as diversas etnias. Ajudou muito
para isso acontecer, a enorme experiência que adquiriu Francis trabalhando nas
fazendas e lavouras do avô de sua mulher. Era constantemente requisitado para
reparar cercas, casas ou concertar ferramentas de lavoura. Quando o Padre Simon
precisou pintar a igreja lá estava Francis para resolver.
Renée gozava de uma excelente e variada
formação, tinha estudado em Londres e Paris e falava várias línguas, além
disso, tinha lecionado para crianças quando chegou ainda jovem na Cidade do Cabo.
Um ano e meio após a chegada do casal ao
morro e com a filha mais crescida e independente, a esposa propunha abrir uma
escola para crianças, onde pudessem jugar, aprender noções de matemáticas mais,
o principal objetivo seria a socialização das crianças num contexto
multicultural e racial.
Nos próximos vinte anos a vida da família
progrediu, concomitantemente ao desenvolvimento da comunidade que, em pouco
tempo tinha deixado de ser um simples povoado.
Entretanto, longe do Morro, na Cidade do
Cabo, Mr. Renaud estava à beira da morte. Tinha vivido os últimos 20 anos com a
ideia fixa de vingança, não suportava ter sido traído pela neta adorada e ainda
pior, por esse miserável do Francis, escravo que ele tinha promovido para o
cargo de Senhor Feitor. O avô mandou seu único neto, Jean Marc, filho de seu
falecido filho, e disse-lhe:
— Jean, você se lembra da promessa que seu
pai me fez alguns anos atrás?
— Aquela em relação a minha prima que fugiu
com um escravo?
— Sim, disse o avô. Mas, ela não fugiu com
ele, foi sequestrada. O neto ficou em silencio. Mr. Renaud continuou - Recebi
noticias recentes de que eles estão num lugar da Ilha Mauricio, chamada o Morro
perto da “cachoeira submersa” muito conhecida. Você cumprirá a promessa de seu pai?
— Com certeza meu avô - respondeu Jean Marc.
Poucos dias depois o velho avô faleceu, e o neto viajou.
De repente Marianne, toda feliz, irrompeu na
sua casa gritando que tinha aceitado o convite de ser a rainha da comunidade
nas festividades multirraciais. O casal compartilhou da alegria da filha.
A festa durou uma exaustiva semana que a própria moça tinha ajudado a organizar.
Durante o desfile a rainha Marianne foi atraída pela figura de um jovem
desconhecido. Não era raro nessa época de festas acontecer grande fluxo de
turistas. Ambos trocaram sorrisos e olhares e conversaram por breves minutos.
Ele ficaria por mais uns dias e com certeza se encontrariam. Marianne contou
pra seus pais esse encontro, aparentemente despretensioso. A mãe perguntou como
era ele fisicamente. Quando Renée ouviu a descrição do jovem, foi como
despertar velhas e dolorosas lembranças que pensou que nunca mais voltariam.
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