O Mercador - Vera Lambiasi


O Mercador
Vera Lambiasi

Kamal vivia em cima de sua loja de tapetes, no Bazaar de Marrakesh.
Do francês ao árabe, tentava todas as línguas.
Herdara sua aptidão para vendas de seu pai, seu avô, bisavô.
Bem alimentado pelas mulheres da família, seu corpanzil estruturado, encantava turistas estrangeiras.
Suas vendas, deixaram-no rico, mas não havia descanso, nem desvio em sua rotina.
Dedicava-se aos persas e kilins do raiar do dia ao ocaso.
Solteiro, perambulava só, pelas vielas caiadas, apinhadas de barracas.
Observado pelas moças casadoiras da colônia, fugia de etnias conhecidas, para se deliciar nos corpos de incautas viajantes.
Após fechar a banca, banhava-se em perfumes, e começava com um drink no bar do hotel de luxo.
Amigo dos garçons, tinha todas as informações que precisava para a paquera de suecas e norueguesas, as mais famintas por sua pele morena.
Conquista fácil, dali para o jantar de carneiro, cuscuz marroquino, tâmaras e damascos.
Kamal jamais apaixonava-se, e não sentia-se preso a essas mulheres passageiras.
Servia o chá de menta, amava-as, e se despedia no início da madrugada.

Rania, sua prima distante, do comércio de tecidos, era moderna, vivia na Índia, e, de lá, negociava toneladas para saris coloridos.
Raramente se viam, em festas de família, cumprimentavam-se fraternalmente.
Já havia se casado certa vez, o que não durara um ano.
Divorciada, sem filhos, gozava de uma liberdade estranhada pelos parentes.
Kamal a respeitava pelo trabalho, mas não se interessava pelo seu coração.
A moça era bonita, pele escura, olhos claros. Magra, alta, cabelos lisos e negros.
Um par exemplar para multiplicação, ignorado por ambos.
A família acabara por atrapalhar seus olhos, com insinuações de namoro na adolescência.

Não viam-se há meses, quando Kamal foi para o seu bar, a procura de suas aquisições estrangeiras.
Logo ao entrar, avistou a morena bem vestida, de roupas ocidentais.
Estava sentada no balcão, conversando animadamente com outra garota.
Vista de costas, seus cabelos volumosos chamavam atenção sobre uma blusa amarela. Era inebriante a alternância das cores. E enquanto balançavam, todo o corpo viril de Kamal tremia.
Sem, nem mesmo ver o rosto daquela deusa, já enlouquecia.
Precisava conhecê-la.

A moça, virou-se distraída, e veio a surpresa.
Tratava-se de sua prima, executiva em um país distante.
Mas estava diferente, rosada, charmosa e saudável.
Sua conversa com a amiga, interrompeu-se por um instante, ao constatar o cavalheiro a encarando.
Rania não acreditava que era seu primo, comerciante do mercado. Aquele sujeito bronco mal a cumprimentava.
Ficou encantada com sua aparência em um jeans bem passado, camisa branca, e blazer.
A amiga, logo se interessou, causando imediato ciúme.

Finalmente, olharam-se como homem e mulher, longe da família agourenta, que, de tanto insistir, fê-los odiarem-se.
Naquela noite, após o bar e o jantar, Kamal serviu o chá, e subiu para a suíte mais luxuosa, carregando Rania em seus braços.
Amanheceram juntos, para seguirem ao Bazaar de mãos dadas.
A família, ainda teria muito o que comemorar.

E os negócios, prosperariam sem igual. 

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