O DESTINO DE FRANCISCA
Oswaldo Romano
Os poucos dias de estadia em Buenos
Aires mudou a vida de Francisca, agora completando 35 anos. Ela é de São Paulo,
oferece serviço voluntário na Santa Casa, aquela do bairro de Santa Cecília.
Chegando do tour surpreendeu a todos. Trazia como consigo um
desconhecido que aparentava uns quarenta anos.
Contou a seguinte história:
— Em Buenos Aires fazia um estágio de
meio expediente no Hospital José de San Martin. Certo dia vi-me numa situação complicada.
Um homem que transitava em uma das calçadas foi atingido por um pedaço de ferro,
quando ao seu lado houve o choque entre dois carros. Ficou ali no chão e tudo
que Francisca fez foi monitorar suas batidas cardíacas por uns cinco minutos.
Nisso aproximou-se um cidadão que,
ajoelhando-se, pôs a mão no seu peito e abaixando-se colocou o ouvido no seu
coração. Olhando para Francisca levantou e disse:
— Suas batidas são boas. Veja! O socorro
está chegando.
Responsável na profissão, Francisca, assim
que o cidadão foi socorrido, quis acompanha-lo até o hospital. Os exames
diagnosticaram séria lesão cerebral, levando-o a perda total da memória.
Francisca acompanhava seu estado, mas não via melhoras. Cuidava das suas roupas
que revelavam ser realmente um brasileiro, talvez em férias. Mostrava ter bom trato, seus modos eram finos.
Conversava normalmente, mas não se lembrava de absolutamente nada. Nem seu
nome. Não tinha o que o identificasse.
Francisca empenhou-se junto ao consulado
e conseguiu trazer o Vito para São
Paulo. O nome que ele mesmo escolheu. Acomodou-o na Santa Casa e ali passou a
fazer pequenos serviços, e atender chamados de pacientes.
Sob os cuidados de Francisca, saiam,
rodavam pelos parques, pelos bairros, pelas ruas, sempre na esperança de que
reavivasse sua memória. Foi levado até
em cinemas, e ao futebol.
Nada. Também ninguém o procurava, aqui
ou na delegacia da Argentina com quem
Francisca se ajustou.
Ele continuava
prestativo, educado, levando Francisca a vê-lo como futuro companheiro. Talvez
pudesse até, com permissão das autoridades se casarem. Mas, mantinha-se
reservada. Seu ânimo a levava em pensamentos
que reparavam todo tempo perdido de solteira. Certamente seria um bom
marido. Limpo, porque não tinha passado. Para Francisca acontecia o milagre, há
muito esperado.
Em contato com a delegacia da Argentina,
procurando novidades, Francisca soube que o delegado, astuto como um agente inglês,
revendo o caso concluiu que o cidadão debruçado sobre o acidentado, era um
ladrão, e furtou sua carteira e documentos. Nunca foi achada, com certeza foi
jogada no Rio Tigre, cemitério das coisas desaparecidas de Buenos Aires.
Francisca estava resolvida. Assumiria o
futuro. Sempre de braços com ele, passeavam, faziam projetos, já cuidavam dos enxovais.
Vinham-lhe lampejos do passado, porem tudo muito nebuloso. Ele mesmo já não
queria recordações. Via-se muito feliz.
Tudo pronto chegou o dia do casamento.
Igreja enfeitada, postou-se frente ao altar, aguardando a noiva que logo mais
seria sua querida mulher.
A música Perhaps Love encheu o espaço, ela
aproximava-se magistralmente. Era admirada por todos. De súbito parou assustada
vendo seu noivo dobrando-se e sentar-se no degrau do altar.
Para Francisca ele teria passado mal. Puxou
seu vestido na altura dos joelhos, e saiu correndo em seu auxílio. Cabeça
abaixada com as duas mãos no rosto, ele chorava em desespero. Ela sentou-se ao
seu lado, abraçando-o perguntava:
— O que foi, diga?
Ele não se continha. Os convidados perturbados
falavam todos ao mesmo tempo. Um zum, zum que enchia o ambiente. Francisca emocionada chorava junto, quando ele
com soluços disse:
— Aconteceu um milagre nesta igreja.
Está voltando minha memória. Estou confuso
Francisca. Eu me chamo Guerino.
— Guerino é bonito! Tá bom, ainda dá tempo. A
gente altera seu nome...
Guerino, porém, ainda
cabeça baixa entre as mãos, disse:
— Eu sou do Amapá. Tenho muita gente lá. Agora, meu Deus, lembro tudo...Eu sou o Padre
Guerino!
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