As coincidências que podem ocorrer na vida - Fernando Braga

  
 


As coincidências que podem ocorrer na vida
Fernando Braga

Fantástico, estupendo, inacreditável! -  exclamou um amigo ao me encontrar, pois quero te contar uma história real, que há poucos dias teve um desfecho, nunca esperado.

Há dez anos, você sabe, trabalho como intensivista  na UTI da Santa Casa de São Paulo, e há oito anos, chegou um paciente de uns 30 anos, que havia sido atropelado ali próximo. Fora um traumatismo craniano grave, com fraturas múltiplas e o paciente após fazer uma tomografia foi diretamente para o centro cirúrgico, onde fizeram uma descompressão craniana e retirada de uma hematoma subdural agudo. O paciente ficou hibernado quase 15 dias, foi feita traqueostomia e aos poucos foi se recuperando. Começou a movimentar-se, abrir os olhos, obedecer ordens e falar algumas palavras. Quando deu entrada no hospital, não portava qualquer documento, tendo sido registrado como desconhecido. Quando estava bem melhor, sentando no leito, alimentando-se sozinho, perguntavam o seu nome e confirmava que não sabia. Na realidade nada sabia de si, nome, procedência, familiares, idade, enfim era portador, segundo os neurologistas, de uma amnésia retrograda completa, pós traumática. Passou a caminhar, fazer suas necessidades sem ajuda, a conversar com médicos, enfermeiras, assistentes sociais, mas nada sabia sobre si próprio.

Uma voluntária social interessou-se pelo caso e passou a vir vê-lo todos os dias, passando muito tempo a cuidar dele, conversar, procurar tirar dados objetivos de sua vida, mas tudo em vão. Foi visto por psicólogas psiquiatras, neurologistas e até fez tratamento com hipnose tentando uma regressão, também sem qualquer resultado. Desde o início, a delegacia de polícia foi comunicada para tentarem obter algum dado sobre a identificação do paciente, alguém desaparecido. Foram tiradas fotos em várias posições, impressões digitais enviadas ao centro de datiloscopia e outros departamentos de polícia, mas também sem nenhum resultado positivo. Havia um enorme interesse pelo caso em todo o Hospital, todos torcendo por Vitor, o nome que havia escolhido para   poder ser identificado no nosocômio. Após uns quatro meses estava muito bem, passou a ajudar na enfermaria, trazendo a comida para os enfermos, limpando o chão, as privadas, enfim mostrando-se bem útil, de tal maneira que arrumaram um pequeno quarto onde ficou instalado temporariamente, até que sua verdadeira identidade fosse feita. Vitor era simpático, risonho, bem humorado e recuperou seu bom aspecto físico.

Francisca, a voluntária, tinha especial afeição por ele, comprou-lhe roupas novas, sapato, levava-o ao barbeiro para cortar o cabelo e não passava um dia sem ir visita-lo, e ficavam horas trocando ideias, mas nada aparecia de sua vida pregressa. Para os neurologistas, a amnésia podia persistir definitivamente, mas poderia ter chance de melhora. Diziam que um novo traumatismo craniano poderia traze-lo à realidade, mas isto era jocoso. Todos notavam que Vitor por sua aparência, porte, cuidados pessoais e mesmo na conversa devia ter sido alguém bem posicionado e pelo seu palavreado, lembrava muito o sotaque dos mineiros, pois dizia muito uai, sô, ocê, cortando a última sílaba. A polícia também mandou  os dados para Belo Horizonte, para distribuir  nos municípios mineiros.

Um dia, Francisca levou Vitor ao cinema e notou algo estranho com ele, quando no filme apareceu uma montanha, com rio, cachoeira, campos verdejantes e cavalos correndo. Ele ficou ofegante, inquieto e quando saíram, disse que já tinha estado naquele lugar e montado em cavalos. Desde então começou a esforçar-se mais para tentar lembrar fatos correlatos, mas pouco acrescentou. Já havia decorrido uns cinco anos desde o acidente, Francisca gostava de Vitor, não apenas admiração, amizade, mas algo mais, pegava em sua mão e sempre o beijava. Havia uma correspondência física, pois apesar de tudo, mantinha sua masculinidade. Um dia foram ao apartamento dela e lá, após muita carícia, foram para a cama. Pensou em um dia poder se casar com ele, mas via muita dificuldade, ele não havia conseguido nova identidade, não tinha nome certo, certidão de nascimento!

Eis que um dia ela levou-o para jantar em um bom restaurante nos jardins e logo após sentarem-se viram aproximar-se um senhor que chegando à sua mesa, dirigiu-se a ele e perguntou:

— Como vai Gervásio? Você aqui em São Paulo?! Ha quantos anos não nos vemos! Correu na cidade, que você havia morrido.

Vitor ficou pasmo, mudo, não conhecendo aquela pessoa. Francisca imediatamente pediu a ele que se sentasse e começou a fazer-lhe  perguntas.

— De onde você o conhece?

— De Montes Claros, no norte de Minas, onde eu e ele fomos criados.

— Ele tem família?

— Só o irmão Pedro, pois os pais faleceram em um acidente de carro, há mais de dez anos.

— Qual o nome todo dele?

— Que eu saiba, é Gervasio Nogueira. Eles, tinham uma fazenda em Canambi, no sul da Bahia, onde plantavam algodão e tinham criação de cavalos. Vocês deviam ir a Montes Claros para rever os fatos!

No dia seguinte, todos na Santa Casa tomaram conhecimento do ocorrido e sem exceção, ficaram extremamente felizes por Vitor, muito querido.

Francisca e Vitor, digo Gervásio, foram para Montes Claros e lá encontraram Pedro Nogueira, sua mulher e filhos. Pedro ficou realmente muito contente em ver o irmão vivo, pois todos haviam pensado em assassinato e sumiço do corpo, fato corriqueiro naquela região. Foram até Canambi, à sua fazenda, viram a plantação de algodão, os cavalos, nos quais ele, desde criança montava e muita coisa começou a vir à sua memória, inclusive brincadeiras de infância com o irmão. Pedro logo disse que metade da fazenda era dele, assim como os ganhos que havia adquirido neste últimos oito anos. Francisca tirou novos documentos de o jovem rapaz, após conseguir sua certidão de nascimento. Gervasio pediu ao irmão que continuasse a administrar a fazenda e que um dia viria ajuda-lo. Antes de partirem, Francisca fez uma última pergunta, se Gervasio não tinha nenhum compromisso amoroso, ao que Pedro respondeu:

— Ele tinha uma namorada, que se casou há uns três anos.

Gervasio e Francisca logo se casaram e ela dizia que esperou, mas encontrou o homem certo.

Se ele   recuperou toda sua memória é outra história, mas após o encontro com o irmão, começaram a surgir flashes positivos de lembranças antigas. Ha grandes chances de maior recuperação, mas entre eles, comenta-se que, o mais importante não é o passado, mas o presente, e o que está para vir!


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