O SORRISO DO MEU
PAI
Sérgio Dalla
Vecchia
O
som dos degraus de madeira, estalando pelas pisadas firmes, era o prenúncio do
castigo iminente.
Éramos
quatro irmãos homens exalando energia da juventude.
A
casa era um sobrado, no subsolo duas salas para estudo. Ali nos reuníamos e vez
em quando havia discórdia de opiniões. Um se empolgava, outro retrucava e num
piscar de olhos surgia um tapa, uma canelada e estava formada a confusão.
Nossa
mãe, lá do nível superior gritava repetidamente para pararmos com a desordem.
Nada! Desesperada, ameaçava:
—
Vou telefonar para o seu pai.
Pronto!
Estava decretada nossa sentença. Era só esperar.
Ele
chegava! Logo descia estalando os degraus com cinto em punho. Nem perguntava
quem começou, ou de quem era a culpa. O cinto passava por todos!
Assim
era papai. Severo, exigente com os estudos e grande companheiro quando nos
levava passear aos domingos pelos parques e outras atrações da cidade. Nesses locais
brincávamos muito, de longe nos observava com olhar protetor, enquanto se
divertia com as estrepolias. A alegria estava no ar, riamos muito e ele
participava da festa com brilho dos olhos.
Filho
de imigrante italiano, saiu do interior vindo estudar na cidade de São Paulo, como
era comum naquele tempo. Com dinheiro curto, morando em pensão e muito estudo, entrou
na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Graduou-se. Logo depois
prestou concurso para Procurador da República e foi aprovado.
Apaixonou-se
por uma linda moça dos olhos verdes e casaram-se. Ela logo engravidou. Em menos
de um ano deu à luz um rechonchudo menino, também dos olhos verdes.
Acontece
que o destino não foi generoso com o jovem casal. Ela teve complicações pós-parto
e não conseguiu sobreviver.
A
família desabou! Papai sofreu muito.
Após
algum tempo ele casou-se com mamãe. Ela era sobrinha da esposa falecida com
quem tinha muita afinidade. Por ser parente começou a cuidar do bebê com
extremo carinho e dedicação. O bebê era como se fosse seu próprio filho.
Assim
surgiu um amor e um segundo casamento, do qual nascemos, meu irmão gêmeo, eu e
o caçula. Nós seis éramos uma família feliz.
Curiosamente,
durante a breve vida de papai, que nos deixou aos 54 anos, não recordo de vê-lo
expressar seu estado de espírito com um sorriso. Lembro-me apenas do seu olhar.
Sorrir era apenas
um detalhe que passava facilmente desapercebido!
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