NO ESCURINHO DO PRONTO SOCORRO - Oswaldo U.Lopes


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NO ESCURINHO DO PRONTO SOCORRO
Oswaldo U.Lopes

        De trás para frente a leitura era fácil. O velhote dera entrada no Pronto Socorro com uma história confusa de evacuação escura. Os sinais clínicos eram de hipotensão, pulso rápido e palidez. Estava mais branco do que o lençol em que se deitara.

        Duas coisas chamavam a atenção:

        1- A ausência de qualquer história anterior que fosse compatível com lesão ou ulceração do aparelho digestivo alto. Era um caso típico de melena. Nome grego usado em medicina e que significa escuro. Preto. O odor das fezes negras é forte porque o sangue sofre um processo de digestão na sua trajetória no intestino.

        2- A filha do senhor. Uma bela mulher, típica balzaquiana de seus trinta e tantos, não muito magra, com as curvas certas nos lugares certos. Na sua enorme aflição agarrara sua mão com força e tinha angústia saindo pelos poros.

        Outro detalhe chamara a atenção no exame clínico. A presença de um aneurisma pouco acima da bifurcação da aorta. Os exames mostraram o esperado: anemia, aneurisma e condições cardio circulatórias complicadas pela hemorragia.

        Impunha-se a cirurgia e ela foi realizada. O caso era até bonito, tratava-se de um aneurisma da artéria aorta que perfurara o duodeno e era por essa perfuração que houvera o sangramento.

        Sucesso total. Reparação do duodeno e colocação de uma prótese em Y substituindo o aneurisma. Ao sair da cirurgia deu de cara com a balzaquiana cujo nome era Carmem que lhe agradeceu comovida e agarrou suas mãos com força e carinho.

        Lembrou-se de uma outra vez em que algo semelhante acontecera, mas fora no escurinho do cinema. O pronto socorro podia ser tudo, menos escurinho, mas o roupeiro era.

        Dirigiu-a para lá, já meio agarradinhos e no ambiente de pouca luz, trocaram caricias, amassos e beijos e... Ela muito agradecida e ele muito satisfeito pelo resultado da cirurgia e pelos agradecimentos recebidos.

        O senhor ficou internado por nove dias e por nove dias o roupeiro foi seguidamente visitado. Carmem não cabia em si de agradecimentos. Deu alta para o velhote e encaminhou-o para o Setor de Moléstias Vasculares para seguimento, despediu-se de Carmem e seguiu a vida.

        Não esperava pelo que acontecera agora. No seu consultório, Carmem viera, pagara uma consulta e não ocultava suas prováveis intenções, continuar as aventuras do escurinho do roupeiro. Ele sentiu outro cheiro, o de encrenca. Como é que dizia mesmo seu avô espanhol?


        “Onde ganhas o pão não comas a carne.”

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