Curiosidade pode matar - CONTO COLETIVO: Vicente, Carlos e Maria Luiza


Resultado de imagem para espionando

Curiosidade pode matar


Maria Luiza Camargo Malina
Carlos Cedano
José Vicente Camargo


Há tempos o examinava de longe. Era esquio, ossudo, pele branca, cabelo ralo. Não chegou aos cinquenta ainda. À mão sempre um livro. Percebi que era o mesmo livro há semanas. Não parecia interessado no conteúdo, mas o portava todas as tardes. Muitas vezes o deixava abandonado no banco, e só o pegava de novo na hora de partir. Era estranho, movia-se sistematicamente, como se tivesse um cacoete. Girava a cabeça, olhando para a esquerda e para a direita como se estivesse à espera de alguém. Provavelmente àquele a quem ele emprestaria o livro, mas que nunca chegava.

Até que numa tarde cinzenta e chuvosa, ele aparece sem o livro. Sua impaciência, porém, continuava. Talvez agora à espera da devolução do livro daquele a quem ele o emprestara. Coincidentemente seu cacoete também mudou. Agora movia a cabeça de cima para baixo, dando a crer que o trejeito depende de seu estado emocional. Da esquerda para a direita quando está ansioso e de cima para baixo quando frustrado.

Na tarde seguinte ele aparece movendo a cabeça tanto da esquerda para a direita, como de cima para baixo, e caminha em minha direção, o que me faz pensar:


E agora, como estará seu lado emocional? Creio que é de fúria, deve ser contra mim, por perceber que eu já o observo há dias. Direi que nada tenho a ver com o livro. Não o pedi emprestado, portanto não tenho de devolver. Meus dias de observação foram só por curiosidade, coisa de terceira idade. Mas o que é que ele segura nas mãos? Parece uma faca...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário