A vida nos ensina
Fernando
Braga
Há
alguns anos, tivemos um congresso, realizado no Hotel Casagrande em Guarujá.
Muitos participantes, muitos convidados estrangeiros.
Certa
noite, três destes participantes, um da Austrália, outro indiano e um escocês,
se juntaram ao nosso grupo, para irmos a um dos bons restaurantes da cidade.
Éramos seis.
A noite estava deliciosa, uma melancia doce,
lua brilhando no céu, refletindo-se no mar, o restaurante ainda, com poucos
clientes. Sentamo-nos próximo à janela que estava aberta, de onde tínhamos visão para a praia da Enseada,
sentindo a brisa morna penetrando, acariciando nossas faces.
O
ambiente entre nós era muito cordial, junto àqueles amigos, que fazia tempo não
víamos. Tornou-se ainda mais amigável e festivo após a primeira caipirinha e a
segunda.
O
restaurante, como sabíamos, servia pratos fartos. Assim, para os seis,
escolhemos três pratos. Vieram filés de pescada à dorê, namorado cozido, com
molho de tomate e camarões à grega, com muito arroz, batatas fritas e cozidas, verduras
diversas, que satisfez plenamente a todos. Cerveja rolando!
Elogios
dos colegas estrangeiros ao nosso país, à nossa comida, à alegria e simpatia
dos brasileiros, nos comoveu. Um deles, enfatizou:
— Que
privilégio, viverem em um pais como este, com este sol, esta temperatura, esta
praia, esta comida e... Caipirrinha!
— Confessamos
que nunca comemos peixes e camarões tão gostosos como estes. Levantaram os copos
para brindar e saudar seus queridos amigos brasileiros.
Mas,
aconteceu um fato...
Quando
estávamos bem animados, aguardando a chegada da comida, chegou um casal de
idosos, uma atraente moça, dando a mão a uma criança e um rapaz jovem, alto,
boa aparência, sentando-se na mesa ao lado, a única restante no restaurante, agora
lotado. Sentou-se ele de frente para nós, ao lado do provável sogro, as duas
mulheres com a criança, de costas para nossa mesa.
Ao olharmos naquela direção, observamos que o
rapaz não tinha os dois braços, representados apenas por dois pequenos apêndices
(abraquia). Pensamos: - Provavelmente, mais
uma vítima do uso da talidomida, ingerida por sua mãe naquela época. Sãos os
chamados filhos da Talidomida, má formação da década de 60.
Ao observar que olhávamos
em sua direção, fez um leve cumprimento com a cabeça, sorriu e continuou sua
conversa na mesa. Quando estávamos quase terminando de comer, o garçom trouxe a
comida daquela mesa vizinha, servindo os pratos de cada um.
Neste
instante, o rapaz desencostou um pouco sua cadeira, tirou o pé direito do
sapato, levantou-o e com os dedos pegou o garfo, levando-o ao prato, colocando a
comida na boca. Deu para observar que seu pé era de pele bem clara, muito limpo
e seus movimentos precisos, eumétricos.
Deparamos
aquilo, nada comentamos, mas certamente cada um de nós teve um pensamento. De
minha parte:
— Quão
sabia é a natureza, quão perfeito é o corpo humano, que faz os cegos verem com
as mãos, surdos ouvirem com os movimentos dos lábios daqueles que falam, os abráquicos,
pintarem com os pés ou com a boca e agora, mais este testemunho de alguém se
alimentando com o pé.
Ao
sair, cumprimentamos aquela família que parecia feliz, com aceno especial ao
rapaz, que não demonstrava nenhum complexo pela falta dos braços, exibindo a grande
habilidade nos pés para aquele ato, indispensável à sua vida.
Na
volta ao hotel, o australiano enfatizou que uma feita, vira uma pequena garota
de 12 anos, sem os braços, apresentar-se a uma plateia para cantar, tocando ela
mesma o piano com os pés. O escocês disse:
— Temos
um conterrâneo, que sem pernas e sem braços, atravessou o Canal de Mancha a
nado. Tudo é possível!
O
indiano complementou:
—
Por isso foram criados os jogos Paraolímpicos. É a própria superação!
Vivre
la vie!
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