Memória visual
Fernando
Braga
Sempre se gabava de sua memória visual.
— Uns
têm memória para nomes, outros para fatos, outros mais para sons, cheiros ou
sabores. Outros ainda, enxergam com as mãos, ouvem com os olhos e assim vai. O
meu forte é a memória visual, especialmente para guardar fisionomias. Vejo uma
pessoa, posso não lembrar seu nome, mas sei que a conheço, mesmo passado muito,
muito tempo. Tenho memória de elefante, que dizem, procura voltar a seu local
de origem, quando sente a morte próxima.
Contou
o seguinte fato, dado como real.
Ainda criança, com 8 ou 9 anos,
frequentemente acompanhava meu pai, quando ia para a fazenda, guiando o seu Fordinho 29,
o carro mais comum da época, que enfrentava valentemente as estradas de terra,
esburacadas e sinuosas. Por volta das quatro horas da tarde, o retorno.
Seu
Mateus era o administrador da fazenda, marido da dona Luzia, tinham duas filhas
e ainda o Zezinho e o Luizinho. Este último com uns seis anos. Lembro-me até hoje,
o seu Mateus sentado, comendo feijão com arroz, pegando umas cinco pimentas
vermelhas grandes, amassá-las e misturá-las à comida. Pensava na época: Vai
gostar de pimenta no inferno!
Certa
ocasião, sentei-me no carro, bati a porta e fiquei aguardando meu pai, que, por
sua vez, sentou-se, colocou o câmbio em ponto morto, pronto para dar a partida,
trocou ainda algumas ideias com seu Mateus, e bateu fortemente a porta do seu
lado. Neste momento, um grito agudo de Luizinho ressoou no ar, gritando e apertando
fortemente a mão direita que estava ensopada de sangue. O dedo indicador da mão
direita do menino havia sido decepado pela porta.
Após enrolar sua mão em uma
toalha, foi levado às pressas para uma farmácia, a única da vilazinha próxima.
O farmacêutico, deu cinco pontos no dedo do menino, que havia perdido a
falanginha e a falangeta, restando apenas a falange.
Seu
Mateus e família, ficaram como empregados ainda por alguns anos, mudando-se
para a cidade. Nenhum contato mais.
Cerca
de uns 30 anos após, estava chegando à minha sala e no corredor, um rapaz
forte, moreno, bem vestido, com um bigode de mexicano, aproximou-se chamando-me
pelo nome:
— O
senhor se lembra de mim? Me reconhece?
Encarei
o rapaz, olhei bem em seus olhos, percebi
que já o tinha visto em algum lugar. Fiquei parado, sem perguntar nada, e depois:
— Mostre
suas mãos.
O
dedo indicador da mão direita, pela metade!
—Você
é o Luizinho! E se me procura após tanto tempo, é porque deve precisar de mim!
Vamos entrar! Que satisfação em revê-lo!
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