AS MÃOS DE ALICE
Carlos Cedano
Vi pela primeira vez
Alice quando cursava o primeiro ano de Arquitetura e eu o segundo de Engenharia.
O belo rosto e seu corpo espigado pareciam acompanhar uma melodia só por ela percebida.
Não ousava aproximar-me dela, não era falta de vontade, não! Mas, não imaginava
seu delicado rosto em minhas mãos profanas, era como um sonho impossível!
Nos três anos
seguintes, sempre que podia, acompanhava de longe sua marcha até onde tinha deixado
seu carro. Formei-me e fui trabalhar numa grande empresa com excelente salário e
perspectivas pra lá de boas. Em poucos anos meu padrão de vida mudou muito, os
contatos profissionais e sociais se multiplicaram, mas Alice continuava a
ocupar todos os cantos de minhas emoções e até invadia deliciosamente a
intimidade de meus sonhos!
O Diretor da firma
acostumava promover soirées com concertistas promissores de música clássica, ele
mesmo distribuía os convites para seus convidados. Um convite significava
apreço e distinção especial para quem o recebia, eu fui um deles e isso me
desorientou, então pedi conselhos sendo eu um marinheiro de primeira viagem,
ele foi gentil, deu-me dicas de como vestir, conversar e ser discreto e
atencioso.
Nesse sábado cheguei
as oito e trinta a meu destino, e fui me enturmar com os outros colegas. Dei
uma olhada no programa, seriam cinco curtos recitais de piano e um belo piano Bosendorfer,
considerado um dos melhores do mundo, esperava os interpretes.
Quando os pianistas
entraram no palco, chamados pelo próprio Presidente, meu coração quase parou,
um deles era Alice... Alice estava muito linda com postura de rainha. Nas duas
horas seguintes fomos brindados com maravilhosas melodias que me fizeram sentir
emoções alternando alegria, suspiros profundos e paz interior.
Alice foi o quarto
pianista e interpretou um pequeno repertorio romântico com peças de Chopin,
Debussy e Liszt. Minha atenção foi atraída pelos movimentos de suas mãos que
deslizavam suavemente sobre o teclado. Seus dedos lançavam notas que se espalhavam
por todos os cantos do enorme salão penetrando no coração das pessoas e fazendo-as
atingir seus mais profundos sentimentos de amor! Eu estava hipnotizado pela magia
dessas belas mãos e pelo rosto de fino cristal que agora o acariciaria com as
mais delicadas vibrações de meu ser!
As palmas foram
intensas e sustentadas durante um bom tempo, vi lágrimas nos olhos da Alice, e
eu mal continha as minhas!
Serviram champanhe,
deliciosos petiscos, e quando virei minha cabeça enxerguei Alice, fui até ela,
ela também me viu e me recebeu com um sorriso de quem recebe um velho conhecido.
— Parabéns Alice,
você esteve simplesmente divina.
— Renato! Estou tão
feliz de te reencontrar. Achei que não veria mais você!
— E eu nunca deixei
de guardar você em meu coração Alice. Hoje essa convicção se ancorou
definitivamente em mim!
— Me abraça,
Renato. Abraça-me forte! Que bom que você perdeu sua timidez. - Disse Alice com
um tênue sabor de ironia!
E a magia adentrou essa
noite que se tornou infinita!
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