O CORONEL GAMARRA
Carlos Cedano
Foi na Segunda
Guerra Mundial, durante a campanha expedicionária dos pracinhas na Itália que o
Capitão Gamarra se consagrou um intrépido herói. Seu pelotão deparou-se com um
feroz ataque alemão contra soldados americanos encurralados numa espécie de
garganta sem saída; quando o capitão viu a situação atacou os alemães pela retaguarda com vontade e decisão e os
eliminou salvando assim setenta americanos além de dez feridos. A novidade
espalhou-se rapidamente em ambos os exércitos e o Capitão recebeu a Medalha
Púrpura do Governo Americano além das mais altas condecorações do Governo Brasileiro.
Foi com esse
prestigio e contando com uma “forcinha” do Departamento de Estado Americano que
alavancou sua carreira militar e em pouco tempo já era coronel. Mas o Coronel
Gamarra tinha seus defeitos e limitações, além de ser muito exigente e grosseiro
com seus subordinados, não suportava que alguém o contradissesse mesmo nas questões
mais banais e contava vantagens muitas delas beirando a mentiras deslavadas, mas
tudo isso era “perdoado” pela sua condição de herói.
Como não era muito
bom e ortografia e recebia observações de seus superiores pelos frequentes erros
que cometia, decidiu resolver essa situação ou pelo menos melhora-la. Entre os
novos recrutas identificou um rapaz estudante de Direito chamado Rui Dias e o
incorporou a seu staff com o cargo de ajudante de ordens. Rui, que o Coronel
passou a chamar de Luisinho, era ele que redigia seus comunicados, informes e
memorandos: uma mão lava a outra! Pensou o Coronel e até o autorizou sair do
quartel às noites para assistir a suas aulas na Universidade. Com o tempo o Coronel se fez amigo de Luisinho
e o fazia acompanha-lo, inicialmente em eventos oficiais e, aos poucos até em
reuniões informais onde ele era o único que não era oficial de carreira.
Foi nas reuniões
informais donde Luisinho, já promovido a cabo, começou a escutar os exageros e
lorotas do Coronel. E, o pior de tudo, quando o pessoal ficava em dúvida, o Coronel
chamava Luisinho como testemunha ocular do assunto em questão. Certa vez numa
reunião onde os colegas contavam suas histórias com armas, o Coronel levantou, quase interrompendo um
colega, e disse:
— Arma boa mesmo é a
espingarda que me deu de presente o Coronel Wilson Brown da Escola das Américas
no Panamá. Numa caçada na floresta desse país avistei um belo bando de passarinhos,
apontei e atirei e sabem quantos passarinhos caíram?
As respostas foram
diversas: um? Disse alguém, cinco? Disse outro e um último Dez?
— Não! Foram cento
e vinte disse o Coronel!
Oh...! Foi a
exclamação de admiração dos presentes.
— Não é verdade Cabo
Luisinho? Perguntou o Coronel Gamarra.
— Verdade, é a mais
pura verdade! Confirmou Luisinho com segurança.
E assim foram
muitas outras ocasiões em que Luisinho se sentiu obrigado a “validar” as fantasias
exageradas do Coronel. Tudo isso já o estava deixando de saco cheio cansado de mentir
para os outros. Tempo depois numa outra reunião onde o Coronel ufanava-se de
ter estado numa noite só com quinze belas mulheres escutou um oh...! Desta vez
de incredulidade que repercutiu na sala inteira.
— Não é verdade
Cabo Luisinho?
— Verdade meu
Coronel, quinze belas mulheres e uma baranga!
— Como uma baranga?
Eu não vi nenhuma replicou o Coronel.
— Meu Coronel, pra
falar a verdade verdadeira eu só vi a baranga!
Os risos que
ressoaram na sala foram como tapas no rosto de Gamarra que, ofendido no mais
profundo de seu narcisismo, no dia seguinte pediu a expulsão do exército de seu
ajudante de ordens por insulto grave a um superior, mas nessa altura Luisinho
não estava nem aí, três dias antes tinha recebido seu diploma de advogado e já
estava de malas prontas para ir à procura de sua nova vida.
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