Aconteceu na
cinemateca
Ises de Almeida
Abrahamsohn
Adorava os filmes
da nouvelle vague. Entre os dirigidos por Louis Malle, o seu favorito, “Les
Amants”, iria passar na sala especial da Cinemateca. Quando foi lançado em 58, ela
nem era nascida. Agora relembrava a cena que causara escândalo. Tinha visto o
filme na época da faculdade. A sugestão, apenas a sugestão, na cena famosa dos
amantes na cama... Ao som do sexteto de Brahms via-se de Jeanne Moreau inicialmente
apenas o rosto. Enquanto os dedos se distendiam, a mão escorregava devagar pelo
lençol até pender lânguida e satisfeita.
Agora a cena poderia
passar até na sessão da tarde, pensou Clarice.
O cinema estava
quase cheio. A maioria dos espectadores passava dos cinquenta. Apenas aqui e ali alguns jovens; talvez
estudantes de cinema.
Será que não há mais cinéfilos adultos? Onde estão? Em algum blockbuster
infantilizado de Hollywood mastigando toneladas de pipoca Olha lá, parece que um se salvou. Que cara lindo! Colírio
para os olhos. Está olhando para cá. Tomara que sente aqui na poltrona do lado.
E daí? Que bobagem, tanto faz, pareço adolescente, bem melhor ter o lugar vazio
para por a bolsa...
̶ Sim! Sim! Claro, está vago!
̶ Sim, eu também
adoro este filme. Vai ver todos os filmes da mostra? Maravilha...Eu só posso ver de fim de semana. Shhh.. Vai
começar...
Olha a Jeanne Moreau e o carro quebrado... Nas vezes
que meu carro enguiçou nunca apareceu um
cara como esse aí. Qual é mesmo o nome do ator, Bory, é isso! Vi no cartaz lá
fora. Nunca o vi em outro filme. Fez esse e sumiu. Agora ele a beija.
Olha os dois no banho...daqui a pouco vem a cena que
eu adoro a música... agora ele desliza
para baixo... olha o rosto dela/ a boca ... vai aparecer a mão da Jeanne sobre
a cama... ai meu Deus, estou sentindo a mão na minha perna/ está subindo
devagar/ que faço/ vou embora ou não/ tá tão bom/ ainda bem que estou de saia/
chegou/ aí/ aí mesmo/ mais um pouco/ aí aperta mais/ a mão da Jeanne caindo/ os
dedos abrindo/ só mais um pouco/ Aaaaaaah.....
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