VIVENDO UM DRAMA
OSWALDO
ROMANO
Olivér, executivo da Kabeq, era
responsável por um importante setor da indústria.
Prestigiado pelo Michel, seu diretor,
era constantemente indicado para viagens internacionais, representando a Kabeq nas
suas importantes reuniões.
Desta vez foram juntos, Michel e Olivér,
para cobrirem diversos compromissos. Sua mulher Jaqueline que viajava raramente
com ele quando a serviço, quis acompanhá-lo, pois há tempos não via Paris,
cidade das reuniões. Teve anuência da firma, arcando com seu custo.
Combinaram que a noite, depois de
cumprirem suas obrigações, iriam assistir espetáculos. Ela sugeriu a
apresentação da eletrizante A Day In The Life, no Opera Garnier. Em cartaz apresentava
a Nona Sinfonia de Beethoven. Interessante também, seria comparar esse famoso
teatro com o teatro Municipal do Rio de Janeiro, cuja construção foi nele
inspirada.
Michel, o diretor, era bastante
reservado, mas era difícil não perceber que olhava Jaqueline com carinho. Curtia
a beleza dessa mulher. Tratava-a com cuidado, como se trata um bibelô elaborado com a melhor porcelana chinesa. Aproveitando-se desse aprazimento, ela era só
um sorriso colorido que conquistaria quando quisesse gregos e romanos.
Nessa viagem galanteios a dondocas que
transitavam insinuavam que elas nem
chegariam aos pés da Jaqueline, a mulher orgulho de Olivér. Elogiando brincando,
tinha por traz a mensagem verdadeira.
Verdadeira também era a paciência do Olivér que precisava garantir sua posição
na empresa.
Numa das noites, Michel destacou Olivér
para uma importante reunião, preparando-o que seria demorada, podendo varar a
noite. Prevendo, já havia reservado uma suíte no próprio hotel para que
descansasse no final dos trabalhos. Por sua vez, na mesma noite, Michel deveria
encontrar-se com o presidente internacional da Kabeq, reunião já agendada desde
o Brasil e com enorme ordem de trabalhos.
A reunião de Olivér, muito acirrada só
terminou a 1:30, iniciava a madrugada. Carregava
a pulga atrás da orelha. Na sua cabeça
passava um filme de mil imagens. Numa delas via sua linda mulher
recebendo Michel. Essa história de dois compromissos na mesma noite, o
incomodava. Era um prego no seu sapato.
Na
programação do evento, seguiu-se um farto e luxuoso coquetel, preparado para os
participantes apararem as arestas do que foi discutido. Bem oportuno porque no momento nada melhor que
uma bebida. A gelada Moet caiu-lhe como um bálsamo. Alguns flutes a mais
aliviariam sua ansiedade. Mas, o álcool tem duas pontas. Ou provoca alegria, ou
estranha tristeza que entre outras coisas pode chegar ao choro.
Nesse meio tempo enquanto conversava com
colegas do evento, seu pensamento persistia. Cada vez mais aguçado, e cada vez pedia
mais bebidas. Passava rodadas de outras, não deixava por menos. Mas não
aguentou. Enjoou. Com visível temulência foi ao banheiro. Virava os olhos, via
as coisas embaçadas.
Melhorou depois de limpar o estomago,
porém era vencido pelo álcool que alimentava seus pensamentos. Criava um quadro
imaginário. Desenhava o movimento acontecendo lá no seu flat.
Pediu licença, disse subir no seu
apartamento. Intrigado, não conseguindo controlar as marteladas na cabeça mudou
de ideia, pediu seu carro. Estava com medo da verdade, querendo tinha um jeito de contornar. Um
telefonema avisando seu regresso, certamente iria adiar possível surpresa.
— Não! Não e não. Estaria enganando a si
próprio. Estaria aceitando o fato, e fugindo da realidade, afastando a verdade.
Nada de telefonema.
Estava calibrado, tinha momentos de
lucidez que clareavam suas ideias. Parecia estar seguro, seguro também na
direção. Acelerou mais que o normal até chegar. Antes de descer do carro parou
para pensar.
— Não, não é possível. Impossível! E meu
emprego? Valeria mais ou menos que um par de chifres? Caramba, alcoolizado sim, estou tonto,
estariam minhas atitudes disparatadas? — Ah Jaqueline, Jaqueline! Eu te amo
tanto!
Por segurança, pensamentos a mil, abriu
o porta luvas, apanhou e escondeu o revolver na cintura.
Subiu até seu andar. Era o terceiro. Um
imenso corredor abrigava as suítes.
A emoção aumentou seu desespero, fazendo-o
tremer. Pegou o molho de chaves e cuidando não fazer barulho, a chave entrou,
mas não abria. Tentava outra chave quando uma mucama que vinha pelo corredor,
não titubeou. Carregava a chave mestre na mão. Adiantou-se, abriu a porta. Olivér
preservando silêncio mal agradeceu.
Transtornado, esperando o pior, veio o
choque. Vê na cama os dois enrolados nos lençóis. Álcool e sangue quente
embaraçaram sua visão, mas não restavam
mais dúvidas. Seria agora, ou nunca. Sacou
o revolver e queimou todas as balas do tambor.
Os estampidos rebombaram em todo prédio.
A mucama que estava a distancia, largou o que tinha na mão e gritando
desapareceu.
Quando os primeiros curiosos tiveram
coragem de mostrarem a cara, Olivér já estava no carro. Passou na portaria, estava
livre, supôs que o porteiro tenha ido ver o acontecido. Dirigiu abestalhado sem
rumo à procura do nada. Profundo e convulsivo choro o impedia de dirigir com
segurança. A besteira estava feita. Encostou o carro. Segundos depois, encosta
também uma viatura da polícia e para cruzando
sua frente. O policial desce armado.
— Olivér vê seu mundo cair!
O policial ordena. — Mãos no volante! O que faz aqui parado, nesta
hora e sozinho? Qual seu problema,
senhor?
Olivér teve espirito para responder,
mostrando a cara e os olhos inchados:
— Senhor, enxaqueca, terrível dor de
cabeça, uma cefaleia, sabe? Não aguentei. Mas já estou refeito. Normal para dirigir. Obrigado
por se preocupar.
Antes de liberá-lo o guarda olhou bem se
estava realmente só, e completou:
— Os documentos estão em ordem?
— Acredite, senhor.
— Boa noite.
— Boa noite seu guarda.
Subiu na
viatura e se foi.
Respirando
fundo, estava em condições de fugir. Evitara o fraga, depois se entregaria.
SEGUNDA PARTE
UMA NOITE TERRÍVEL
Toca o celular. Pulou, foi um tremendo
susto. Ignorando-o, claro, imediatamente desliga. Toca novamente. Novamente e
nervoso como estava, desliga. Teve vontade de jogá-lo pela janela, como fez com
o revolver, jogando-o da ponte no rio.
Volta a
tocar o celular. Ele olha, a chamada vem do aparelho da sua mulher.
Meu Deus! Com certeza é a polícia, pegou-o
e já esta investigando. Cala-se, pensa... Não atende.
Correndo
corria sério risco. Fugia-lhe o controle, entrava em parafuso. Sujeitava-se ser
metralhado pelos gendarmes franceses. Então pensou, o que tem que ser, será. Na
próxima chamada resolveu atender. Queimava a pestana procurando encontrar um
álibi.
A pessoa
insiste, ele pensa, deixa tocar varias
vezes, toma coragem...
— Alô, pronto, pode falar.
— Amor, você não atende ao telefone?
Olivér foi pro espaço. Uma apunhalada! Sua
mulher! Impossível! A voz era dela! Achou que estava delirando. Ficou mudo, estarrecido, apavorado,
desfalecia...
— Olivér, Olivér, alô, está me ouvindo?
Sua visão ofuscava.
Debruçou no volante totalmente mareado, assusta-se com a própria buzina, o que
foi bom para sair do torpor. Segurou-se, apertou o telefone, caiu a linha. Novo chamado, ele tremia, atendeu justificando
com voz entre cortada, quase inaudível. Caiu, caiu a linha, a ligação está
péssima. Não entendi, quem? Quem é?
— Sou eu amor, estou apavorada, me
atenda! Venha já pra cá. Aqui está um inferno! Muita polícia, gente, médicos,
jornalistas.
— Meu Deus! Afinal o que houve? Não estou entendendo...
Ligue de novo.
Uma
desculpa. Precisava de mais algum tempo para se recuperar, era impossível! Soa
a campainha, ele se espreme todo, atende, ela está apavorada.
—Calma agora. Onde você está? O que foi
que você fez?
— Não amor, não fiz nada. Estou no
corredor. Mas é muito triste! Terrível, terrível! Estou branca, tremo. A polícia perguntou por você.
Com prudência, estudava palavras, medo
de falar, precisava de um tempo, saber mais, só disse:
— Calma, calma amor. Estou nervoso. Agora
quem se descontrola sou eu. Afinal o que houve? Tem polícia? Fale... fale?!
— Um assassinato, amor! Um maluco, amor.
Neste mesmo andar, - me dá arrepio só de
contar – no número 3.093 um louco matou
o casal que dormia.
Ao ouvir, perdeu o chão. O chão e a
fala. Meu Deus, o que é que eu fiz!? Aquele filme passou por ele. O celular
escorregou, caiu. Ela tornou ligar.
— Oi Jaqueline!! Nossa Senhora... Tranque,
tranque a porta, não fale com ninguém, estou chegando.
Carregava medo, culpa, emoção. Desabou
num choro compulsivo, não conseguia conter. Adrenalina pura!
Imagina seu estado ao chegar... Ocupavam
totalmente a rua, os carros policiais, paramédicos, sinaleiros que cegavam. O
porteiro reconhece, dá sinal, ele mostra-se e entra. Tirou gravata e paletó, subiu
pela escada. Encontra tamanho rebu, ia errando o andar. Entra rápido no 3.693, seu flat. Abraça Jaqueline como
nunca. Ela desaba em choro. Ele evita que visse seu rosto transtornado. Chora
também. Chora muito, e diz:
— Não, não. Nunca devia deixar
você só.
O porteiro viu quando Olivér chegou e justificou
para a polícia. Foi liberado, guardando reservas.
Por volta das 8:00 horas fecha a conta, é
avisado que mesmo liberado poderá ser chamado. Encontrou-se com Michel no
aeroporto. Michel chegou sorrindo.
— Olivér, você está com olheira, o que é
isso?! Não dormiu?
—Deixo a Jaqueline falar. Ela vai contar,
o horror de uma noite negra.
Já estão chamando nosso voo. Boa
viagem para nós
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