Casablanca
José Vicente J. de Camargo
Passeava mirando as
vitrines iluminadas da avenida principal. Não tinha nada em especial para
comprar. Se visse algo que me agradasse, entraria na loja para maiores
informações. Minha intenção era passar o tempo até a hora combinada com ele
para a sessão das oito. O filme prometia, estava na lista dos mais vistos da
semana.
Numa das vitrines, cartazes
coloridos informando uma mega-liquidação, me faz parar para ler.
Aí o vejo pela primeira
vez, refletido no vidro! Observa-me parado junto a guia da rua, atrás de mim em
diagonal. Chama-me a atenção seu porte forte, meio relaxado, chapéu na cabeça – coisa que ninguém mais usa
- terno de grife, sorriso meio irônico,
olhar fixo. Na boca um cigarro que parece mais um disfarce do que a satisfação
de um vício.
Evito encará-lo. Sigo a avenida apressando os passos em
direção ao cinema. Os ingressos já comprara antes pela internet, na fila do
fundo onde é seu preferido.
Chegando na próxima
esquina paro no sinal aguardando o verde. Mesmo sem ver, sinto que ele está ao
meu lado. Forço a memória em busca de alguma lembrança que me dê uma pista de
onde possa conhecê-lo, de parte de quem... Em vão! Nada me ajuda...
Será que está atrás de uma
aventura feminina? Não creio, não parece ser do tipo paquerador. Então está me
seguindo a mando de alguém? Mas de quem? Todos meus “exs” não teriam motivos e,
além do mais, foram eles que me deixaram... Alguém da empresa? Tão pouco creio,
pois sou uma simples secretaria.
Procuro andar junto de
outras pessoas por segurança, apesar de até achar engraçado que um estranho
possa me agarrar em plena avenida cheia de gente. Mas pode me dar um tiro a
queima-roupa e se escapar na multidão...
É isso! Está me
confundindo com outra pessoa! Já aconteceu isso outras vezes... Mas então
porque não fala comigo? Aquela tal de – Desculpe, mas acho que te conheço de
algum lugar!
O melhor é tomar um taxi!
Assim acaba o dilema... Aproximo-me da guia mirando um que passe vazio – no
horário de rush será difícil – Ao ver um hesito em para-lo! – “O cinema já está
tão próximo, em poucos minutos chego lá”...
Foi então que uma dúvida me
belisca:
“Será que quero mesmo me
livrar dele? Será mesmo que está me seguindo? Ou é imaginação minha? Lembra-se
de um livro que lera sobre imaginações, fantasias, criadas a partir do
psíquico. A mente é tão complexa, já dizia Freud...
Viro-me! Não o vejo! Olho
ao redor! Não o encontro!
Volto em direção
contrária, desviando das pessoas, como que algo me empurra-se contra minha
própria vontade...
Nada! Com certeza entrou
em uma das lojas...
Paro! Penso! E se o
encontrasse? Que faria? Diria a tal da frase:
“Desculpe! Já não nos
vimos antes?“
E dependendo da reação
dele e da minha vontade em esticar o encontro, até poderia convidá-lo a ir ao
cinema. Daria o ingresso do Claudio...
Não, isso não! Não faria
tal coisa, não me rebaixaria tanto...
Foi então que o vejo! Parado,
na mesma posição que da vez anterior. Se não fosse pelo fato de estar alguns
quarteirões distante, diria que era uma repetição da última vez que o vi. Pinta
de Humphrey Bogard despedindo-se da Ingrid Bergman em “Casablanca”. Cigarro na
boca, capa de chuva no braço... Chapéu de aba virada na cabeça, sorriso meio
amargo, meio apaixonado, olhos fixos na amada que parte para o triste sempre...
De repente um flash pipoca
iluminando-o, depois outro e mais outros... Um grupo de frenéticos turistas
chineses o rodeia.
A ficha cai! Como não
percebi antes?
É um imitador do próprio! Desses
que por uns trocados se fazem de estátua deixando a fantasia falar mais alto na
visão do transeunte.
E eu! Fã do filme, cai
como uma patinha. Minha imaginação me traiu sem perceber.
Me aproximo, o encaro de
perto ─ Realmente não é de se jogar fora!
Ele percebendo minha
atenção, estende o chapéu com aquele olhar e sorriso ”humfreidiano” e diz:
─ Então Ingrid, decidiu
ficar?...
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