GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Oswaldo
Romano
Vania e Vitório se conheceram na Vila
dos Remédios, local onde a maioria das famílias vive arraigada desde que o
bairro foi fundado, por volta de 1932.
Reduto de muitos portugueses, quase
todos oriundos da Ilha da Madeira. Uma promoção naquela Ilha, propaganda
oportuna, e enganosa, os convocou.
Estavam com excesso de mão de obra para as poucas indústrias e
agriculturas ali existentes.
Nos arredores da Vila havia falta de mão
de obra. O que sobrava ali era total falta de infraestrutura. A fartura
enganava-os desde a Ilha da Madeira, prometendo mundos e fundos. Aqui faltava luz,
água, esgoto, gás, telefone, escola, asfalto, pontes, farmácia, padaria, abastecimentos
básicos.
O principal emprego era oferecido pelo Curtume
Bourbon, nos baixos da Jaguara, mas o campeão no impacto ambiental. O ar fétido
que exalava atingia todos os bairros vizinhos. Seus operários calçavam botas
brancas até o joelho, que carregavam por aonde iam o cheiro do sangue podre. Só
eles o suportavam.
O pai de Vania, com grave doença nos
pulmões, coisa corriqueira na vila, faleceu cedo, deixando sua mãe Olinda ainda
jovem que a custos educou suas duas filhas, Vania e Maria.
Vania e Vitório casaram-se, e na lua de
mel quiseram conhecer Lisboa. Visitaram
pontos turísticos, não faltando o principal, mundialmente conhecido, Santuário
de Fátima.
Meses depois foi o casamento da irmã
Maria com Herculano, moço visto com reservas. Tentava esconder sua boemia,
ferrenho frequentador do Hipódromo da Mooca onde ostentava o que não podia.
A vida corria normal, mas Vania não
engravidava situação que a atormentava dia e noite, chegando a comprometer seu
casamento e alterar seu comportamento. A má formação do seu útero, bicorne acentuado,
era a causa.
Depois de muita polêmica recorreu a sua
mãe para submetê-la a uma Gestação de Substituição. Ao ter conhecimento do que
se tratava, Dona Olinda tomou o maior susto. Mas, sentindo também um peso pela
causa da filha, aceitou o desafio.
Felizmente, de início estava dando tudo
certo. Vitório ficava mais com a sogra do que em sua própria casa.
A saúde de Vania estava comprometida. Ocasionava
profunda preocupação na família. Teve início uma corrida aos médicos,
psiquiatras, até benzedores. Seu estado agravava-se a olhos vistos. Foi preciso
interná-la e logo em seguida foi mandada para um hospital psiquiátrico.
Vitório acompanhava o primeiro mês da
gestação da sogra, com interesse desusado. Sentia-se deslumbrado. Maria acabou
se separando, morava com a mãe, uma oportuna companhia. Iniciou um novo namoro,
ele também filho de portugueses. Um namoro aguado. Pouco se viam. Ela curtia
mais o inusitado fato novo aceito pela coragem da sua mãe.
Causava curiosidade e comentários o fato
do filho do Vitório vir a ser o filho da sua sogra, irmão da sua mulher e da
Maria que seria também sua tia.
Reuniam-se todas as noites frente a imagem
de Santa Ana, a mais venerada Mãe, pedindo perdão e proteção. Olinda
destacando-se dizia ter aceitado a missão porque adorava seu genro e não sentia-se
confortável pela anomalia da filha.
Com muito tato fazia de tudo para não
demonstrar seu desejo de ficar com a criança, e aproximava-se com carinho do
Vitório que certamente seria no futuro um excelente pai.
Uma noite, depois de rezarem, Vania acompanhou
o Vito até a varanda, costume normal nas visitas diárias. Sorria a toa nesse
dia. Questionou o Vitório sobre sua admiração pela sogra, que agora grávida,
ficou ainda mais bonita.
Vitório levantou-se, espantado e contestou:
— Maria, nunca passou pela minha cabeça
outro interesse. Apenas acho sua mãe bonita.
— Sei disso. Brincadeira, bobo.
Abaixou
a cabeça, moveu-se, seus longos cabelos caíram como uma cachoeira sobre o
rosto. Fez pequena pausa, e numa virada brusca e fala brusca, disse:
— Você vai ser pai!
— Claro Maria! E você vai ser tia! São
galhos da famosa árvore...
— Vito!
Eu disse: Tia e Mãe!
Vito
silenciou, deu um nó no seu pensamento. Também nunca tinha ouvido falar
tanto dessa tal árvore genealógica.
— Explica essa, Maria?
Maria
encarando, olho no olho, quis que compreendesse:
— Vito! Vou ser tia e mãe. Lembra-se da
nossa melhor noite!
Estou grávida!
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