UM SEGREDO ESPECIAL
Oswaldo U. Lopes
O quarto era
semi-escuro, um pouco sombrio talvez, tinha o aspecto e o cheiro asséptico dos
quartos de hospital. O olhar a volta, o carrinho de curativo, tudo confirmava a
existência de um hospital envolvendo e cercando aquele cômodo. Se você
acomodasse a vista veria uma cama hospitalar semi-levantada, uma figura abatida
deitada nela e outra figura alta e serena andando devagar ao seu redor.
O enfermo era André,
médico e muito doente, a figura alta e esguia também era de um médico chamado Roberto
que no caso estava ali como visitante de um amigo.
— Roberto você sabe
que minha conta de vida esta traçada em dias quem sabe horas, que vou morrer.
— Sei André e
você também sabe que por mais doloroso que isso possa ser não é o primeiro a
morrer nem será o único. Este conceito esta no âmago de nossa profissão, por
mais duro e seco que possa parecer.
— Não estou pedindo misericórdia nem piedade. Ambos
sabemos que é chegada a hora. O que me aflige é que tenho um segredo e não quero
levá-lo sozinho ao túmulo ou ao crematório se me fizerem a vontade.
— Vamos encarar
esta história por partes. Você sabe bem André que nesta bendita profissão,
ouvimos mais segredos e detalhes que muito padre por ai. Tem padre por ai que
fica com a relação dos Dez Mandamentos colada no interior do confessionário e o
pecador diz apenas – Pequei contra o 6º mandamento e o padre verificando que é
contra a castidade, arruma uma penitência e dá a absolvição, sem detalhes.
Conosco é diferente não
nos cabe saber se é pecado ou não, mas precisamos dos detalhes para poder fazer
hipóteses, exames complementares e diagnóstico. Você sabe que, na minha opinião
e de muitos, somos nós, os médicos, os guardiões da Dignidade Humana e não nos cabe nem julgar
nem relatar o que ouvimos. Nosso segredo é muito maior do que o do
confessionário. Gostem os padres ou não!
— Roberto não é
disso que estou falando. Eu tenho um segredo e não quero morrer com ele. E você
como o meu melhor amigo tem de me ajudar.
— André você também
sabe que não sou o seu médico por duas razões, não sou muito competente no caso
da sua doença e também quem é muito amigo nem sempre é o melhor médico. Um
pouco de frieza ajuda o raciocínio. O fato de ser seu melhor amigo não me
obriga a partilhar seus segredos, uma coisa que de longe, nunca me agradou. Já
dizia o Tancredo Neves: ”segredo só é
segredo enquanto só um sabe”.
— Deixe dessa
lengalenga, tem sim mais gente envolvida. Você sabe o Bruno filho da minha
cunhada Araci, a irmã da minha mulher, não é filho de pai desconhecido não. É
meu filho.
— E daí, vai ver
não é nem pecado. Como ela era e é solteira não cabe nem no 9º mandamento, aquele
da mulher do próximo. Aliás, essa coisa dos mandamentos é bastante confusa. Sou
agnóstico por falta de coragem de ser ateu, bom isso você sabe também desde
muito tempo. E foi essa história dos mandamentos bem que balançou o meu coreto
da fé. Para os judeus Moisés desceu o monte com dois chifres e duas tabuas que
continham dez mandamentos. Jesus de maneira muito bonita reduziu-os a dois que
são, porque nega-lo encantadores, poesia pura. “Amarás a Deus sobre todas as
coisas e a teu próximo como a ti mesmo”. Em outra versão enumerou apenas seis,
como descreve São Marcos: “Não matarás, não adulterarás, não roubaras, não
prestarás falso testemunho, honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti
mesmo”.
— Roberto você
parece não entender o quão sério falo estando a uns passos da morte. Bruno é
meu filho e não sabe disso.
— E eu repito e
daí? É feliz, vai bem nos estudos, parece, agora que sei, que puxou a
inteligência do pai. Fugiu da medicina o que só posso louvar. Araci não vive
uma vida folgada, mas o pai delas deixou bens para uma vida digna e assim ela
tem vivido. O que este teu maldito segredo vai trazer: não vai casar com Araci,
pois ai seria bigamia, o Bruno teria um pai que deve ter lhe feito falta, mas
isso não vai se remediar com o segredo. Terá direitos de heranças a dividir com
quatro primos que sem dúvida o olharão como uma ovelha negra, embora o pulador
de cerca não fosse o primo, mas o pai comum.
— Roberto pelo amor de Deus!
— Amor de Deus para um agnóstico! Esta ficando ridículo.
Vamos fazer um acordo. Reconheço o seu segredo, guardá-lo-ei com o maior
cuidado e no meu leito de morte revelarei a alguém que, quem sabe, irá
revelá-lo. Isso se uma motocicleta não resolver acabar com minha vida de um modo
mais breve e eu acabe no IML sem chance de contar o famoso segredo do André.
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