BALADA
EM NOITE FRIA
Jeremias
Moreira
A
balada acontecia num velho galpão da Rua Conselheiro Brotero, na Barra Funda. A
animação era grande, mas não para Eva. Ela tinha expectativa de ficar com o Fábio.
No Diretório Acadêmico o rapaz vivia se insinuando e hoje, sequer olhara para
ela. Estava no maior amasso com a Rita, do segundo ano. Eva olhou as horas.
Eram onze e quarenta. Avaliou que a noite estava perdida e decidiu ir embora. O
metrô ainda circulava. Teria que andar até a Estação Marechal Deodoro, que não
era longe. Despediu das amigas e saiu.
De
onde estava, abrigado pelo recuo da garagem do prédio da frente, ele viu a moça
sair da festa e tomar a direção da Rua Brigadeiro Galvão. Deduziu que àquela hora, com o frio e as ruas
desertas, ela seria uma presa fácil. Esperou que Eva virasse a rua, saiu do abrigo
das sombras e a seguiu. Deixou uma distância de uns quarenta metros para não
ser notado.
Ela
entrou na Brigadeiro Galvão e se intimidou com a fraca iluminação. Nenhum bar aberto e ninguém na
rua. Teve o pressentimento de ser seguida. Olhou para trás e viu apenas um gato
solitário atravessar ligeiro a rua. Pegou o celular e ligou para o irmão. Ele
atendeu no terceiro toque. Ouvir a voz do irmão lhe deu a sensação de
segurança. Combinaram que ele a esperaria na Estação Belém, dentro de quarenta
minutos. Eva guardou o celular e apressou o passo. Estava para alcançar a Rua
Lopes de Oliveira e, quase na esquina, avistou três homens mal vestidos, que se
aqueciam em volta de um tambor onde queimava algo. Os homens a viram. Comentaram
baixo, um deles deu uns passos em direção a ela e falou impositivo:
--
Dona... arranja um cigarro pra gente!
Eva
sentiu um frio percorrer sua espinha. Sem parar, achegou-se à parede. O homem fez
menção de cortar seu caminho. O som de um estalido metálico veio de trás. O
homem parou, olhou à esquerda, na direção do barulho. Vacilou e voltou. Sem entender
o súbito recuo do homem, Eva sentiu-se grata e continuou o mais rápida que
pode.
Ele
viu que a garota entrara no campo de visão dos sem-teto. Avançou rápido e
quando um deles se aproximava dela riscou a ranhura de uma porta de aço com a
lâmina afiada de um canivete. Produziu um som estridente. O homem que se
aproximava da mulher, olhou na sua direção. Ele ficou a mostra o tempo suficiente
para ser visto pelo homem e se ocultou novamente. O homem recuou e a moça
seguiu em frente. Estava mais apressada agora. Ele passou pelos homens, que
evitaram olhar para ele. Acelerou para não perder a garota.
Vontade
de correr era o que Eva mais sentia. Logo a frente ela virou à direita, na Rua
Albuquerque Lins e mais uma quadra estaria na Praça Marechal Deodoro, onde
havia uma estação do metrô bem na esquina. Ela andava com a rapidez de quem está
numa marcha atlética.
Ele
chegou à esquina e avistou a garota logo à frente. Ele se adiantara demais e
estava muito próximo agora. Viu quando ela chegou à estação e pressentiu que olharia
para trás. Escondeu-se. Dito e feito. Depois de olhar ela desceu a escada da
estação. Ele deu um tempo e desceu também.
Esbaforida,
Eva rezou ter gente na estação. Não tinha. Ficou aflita com a demora da
composição. Já ouvira casos de mulheres atacadas em estações do metrô. Gelou.
Ele
pulou a roleta e, como um vulto, chegou à plataforma. Ocultou-se atrás de uma
coluna. Lá estava a garota. Mais ninguém. Percebeu sua apreensão. Ela, ora olhava
impaciente na direção de onde viria o trem, ora para as escadas. Finalmente o
farol forte da composição surgiu ao longe, no túnel escuro.
Eva
viu o farol do trem. Sentiu-se aliviada. Mais alguns segundos e tudo não passaria
de um pesadelo.
O
trem parou e abriu suas portas com aquele som característico de descarga de ar.
Ninguém desceu. A garota subiu. O condutor acionou a buzina de cerrar portas, elas
fecharam-se e o trem partiu.
Ele
sentiu-se aliviado. Quando o vagão de Eva o alcançou, ele afastou-se da coluna
e viu que ela o percebeu. Achou graça de como Eva o olhou surpresa. Em seguida
voltou para a Rua Conselheiro Brotero. Afinal, estava sendo pago como segurança
da balada.
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