A GENTE ARRANJA CADA LUGAR PARA SE
CONHECER
Oswaldo U.
Lopes
Cláudia e Larissa eram duas mulheres
do tipo que hoje já não são tão raras. Espertas, corajosas, independentes,
bonitas e com tudo isso foram se conhecer no chão de uma agência bancária que
ficava próxima ao lugar de trabalho de ambas. Mesmo deitadas no chão e
proibidas de olhar na cara dos ladrões para evitar reconhecimentos mais tarde
conseguiram se apresentar e entabular uma conversa sem dúvida sui generis.
Àquelas alturas já sabiam os
respectivos nomes, idade aproximada, características do trabalho e respectiva
profissão. Não, não entraram em detalhes sobre família, filhos e eventuais
maridos.
—
Será que esse assalto vai demorar muito. Afinal não é a nossa bolsa que os
interessa. Nem, imagino, nossos celulares.
—
Sei não Cláudia, me pareceram um bocado amadores e nervosos. Você viu o cara de
moleque girando aquela Uzi prateada, acho que aquilo é um brinquedo novo dele.
—
Acho melhor vocês duas ficarem quietas se não quiserem virar coador. Tão
achando isso aqui uma festa engraçada? Era o da Uzi falando grosso com elas.
Deram
um tempo na conversa, para não irritar o menino e voltaram ao papo desajeitado,
mas por isso mesmo interessantíssimo.
—
Cláudia entendi que você é bióloga, da aulas na USP, tem algum aspecto que você
foca mais?
—
Evolução das espécies.
—
O que é isso?
—
Aquele negócio do Darwin, Larissa.
—
Do homem descender do macaco?
—
Tem muito mais do que isso, mas deixa pra lá.
Nesse
momento outro membro da gang, um
brutamonte com uma cara feia que doía, aproximou-se delas e deu um pisão na mão
da Larissa, mas diga-se a bem dele que não fez o suficiente para esmigalhar-lhe
a mão, mas que doeu, doeu.
—
-Acho que vocês não estão entendendo a gravidade do momento, se uma de vocês
puser a mão num celular é sinal que quer despedir-se deste mundo. Uma boa ideia
é vocês, sem sair do lugar nem levantar, abrirem a bolsas e jogar para cá os
celulares. DEU PARA ENTENDER?
Dava
para entender. O que o ignorante não fazia ideia era da dificuldade de fazer o
que ele estava pedindo. Larissa teve vontade de pedir para ele fazer o que
estava pedindo que depois elas repetiriam, mas o bom senso e a consciência do
perigo ajudou a não provocar a onça (ou seria o gorila?) com vara curta. As
duas fizeram uma estranha contorção e conseguiram realizar a proeza, o ioga que
praticavam com seriedade ajudou muito nessa hora. Tudo aquilo era supimpamente
estranho, mas se valer do ioga meditativo foi o máximo. A professora iria
adorar, a ponto de quase não acreditar.
O
mais curioso é que elas conseguiram manter a conversa apesar do que se passava.
—
Desconfio que nos seus estudos de evolução esse tipo ai, veio direto, diretinho
do gorila.
Não
é bem assim Larissa, todos nós somos primos-irmão dos chipanzés. Deixa estar
que a sua expertise em mercado
financeiro também não ajuda.
Isso foi precipitado, Larissa era
capaz de coisas que ninguém
acreditaria. O roubo estava demorando, os
caixas não tinham muito dinheiro, o gerente alegava que o cofre era tempo
dependente e mesmo diante de uma pequena rajada ficou mudo, não sabemos se por
medo, pavor ou esperteza.
Quem diria, com a bolsa ao lado
Larissa não fizera nenhuma tentativa, agora
que o celular estava longe, aproximou-o com os pés e pasmem, com os pés digitou o 190, que bom que
escolhera um modelo de letras e números enormes. A conversa sem ninguém
perceber estava sendo ouvida na central de polícia. Não tardou muito e as
sirenes se aproximaram. A rendição ainda levou uma hora, com várias promessas
de matar reféns, negociá-los etc.
Enfim, como é quase comum nestas
ocasiões, a negociação deu resultado, a quadrilha foi presa e os reféns
libertados. Ao sair lá fora, Cláudia teve um tremendo susto. A quadrilha era
composta de quatro elementos e, um deles, inacreditável, era seu aluno, e o
reconhecimento mutuam foi instantâneo. Claudia ficou muda de espanto, mas o
rapaz não. Com cara um pouco cínica arrematou:
— É, professora, a evolução as vezes
da nisso.
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