A
Decisão da Encruzilhada
José Vicente J. de
Camargo
Sabia pelos relatos
de meus pais e tios, que minha avó materna Ana gostava de contar histórias que
depois escrevia e ia guardando numa caixa de papelão. Nas festas em família contava algumas quando solicitada. Tinha uma
linda letra e um bom tom de voz, que na sua época eram dons importantes de uma
pessoa.
Eu mesmo na infância
e adolescência presenciei algumas destas leituras. Eram contos alegres e
românticos, mas todos com um fundo religioso, pois era católica praticante. Seus
pais, meus bisavós, vieram de Portugal e aqui trabalharam duro na lavoura do
café. Ficou órfã muito cedo dado que os pais foram vitimas da febre amarela e
do tifo. Não tendo outros familiares no Brasil, a entregaram a um convento onde
foi criada e educada para receber os votos de freira.
Foi então que
iniciou, aos dezessete anos, a guardar seus segredos ao enamorar-se pelo filho
do jardineiro. Chamava-se Antônio que, percebendo os olhares disfarçados de
Ana, os correspondia furtivamente até um dia lhe entregar uma rosa vermelha sem
nada dizer. E assim se comportou nas semanas seguintes, quando vinha com o pai
ajudar na manutenção. Ela esperava ansiosa esses dias para ler a bíblia no
claustro interno que contornava o jardim, esperando o momento da rosa e a troca
de olhares cada vez mais intensos.
Estes gestos, porém
não passaram despercebidos das freiras que levaram ao conhecimento da madre
superiora. Esta a indagou se estava realmente convencida em se tornar serva de
Deus ou se preferia a vida de casada. Deu-lhe um tempo para pensar e, em caso
positivo, falaria com o pai de Antônio sobre o casamento.
Ana preferiu o
romantismo da rosa vermelha. Fez questão de casar-se aos pés da rústica cruz de
madeira fincada em frente ao convento junto a encruzilhada que levaria a sua
nova morada. Este local era o seu preferido para as orações. Transmitia-lhe
forças, se sentia mais próxima do Senhor principalmente quando sentia qualquer
vestígio de fraqueza na sua fé.
Foi aí também que
batizou seus filhos e fazia questão, após as missas de domingo, de rezar o
terço em família.
Eu, primogênito dos
netos, convencia os demais a acatar os desejos da avó, embora meu próprio pensamento
estivesse mais na pelada de futebol com os amigos no campinho da rua.
Outro segredo que guardou foram as dores que
lhe vinham chegando e, por não incomodar, não contava a ninguém. Até que,
percebendo o fim próximo, resolveu esconder seus escritos, pois, em alguns relatara confidências que não
queria expô-las e assim poupar-se de dar explicações de seus atos. Também o
costume de ler suas histórias em família cessou, causada pelo desmembramento
com os inúmeros casamentos ocorridos. Escondeu então a caixa de papelão embaixo do
assoalho do quarto de dormir.
Partiu rodeada por
todos com o semblante em paz. Ao despedir-me dela segurou firme minha mão e
puxou-me para si balbuciando:
− “Não esqueças da cruz na encruzilhada!
Agradeça a Ele por mim!”
Só comecei a
entender o significado dessas palavras quando, após o falecimento do meu avô, meu
pai resolveu reformar a casa para vender e encontrou a caixa de papelão. Ao ler
um dos contos ficou chocado, pois teria
mudado a existência de todos.
A notícia espalhou-se
rapidamente. O choque que meu pai recebeu, estendeu-se também aos demais
familiares, só que com impactos diferentes. Para uns uma grande decepção, para
outros, influências da educação religiosa. Para mim, entretanto uma linda lição
de amor e sacrifício.
Trecho de seu conto
polêmico: “A Decisão da Encruzilhada”
“Minha família me proporciona alegrias, mas
também muitas angústias e tristezas em sentir a penúria que passamos por falta
de condições, pelo pouco comer, pelo
frio cortante nas noites de inverno, pela impossibilidade de satisfazer muitos
dos seus anseios. Minha maior felicidade seria poder oferecer mais conforto, saúde, educação, melhores
perspectivas de vida e mostrar-lhes o
verdadeiro amor de Cristo ressuscitado.
Com
essa intenção peço, cada vez com mais fé, na cruz de madeira na encruzilhada,
que Deus me dê coragem de retornar a vida no convento, na clausura constante das
orações. Sinto que só assim posso, através delas, realizar esse desejo de
oferecer a eles o que merecem, pois estariam nas mãos protetoras Dele”...
Então todos queriam
saber o que impediu a avó de realizar sua vontade, já que era uma mulher
decidida e a coragem com fé pediu.
A resposta obtive
quando voltei e prostrei-me aos pés da cruz na encruzilhada. Um braço apontava
o convento, o outro o caminho da nossa morada. Como se ela ao meu lado
estivesse, compreendi o significado de
suas balbuciantes palavras finais.
Sim! A decisão Ele
indicara!:
“Tua missão é terminar o que começastes. Não
temeis os maremotos, sejais firme no timão de teu barco. Na oração te darei a
força necessária para chegar à calmaria do porto feliz...”
E foi assim, que a partir
desse dia me pus a escrever. A transpor ao papel os sentimentos e as histórias
corridas nos dias da vida. A extrair da alma um pouquinho de mim...
Muito bonito Dr. Camargo! Gostei muito!
ResponderExcluirParabéns. Gosto desse tipo de conto. Transmite um longínquo passado, a saga dos imigrantes e calor de família reunida em tempos por vezes muito difícil. Tenho vários contos também publicados. Todos temos várias encruzilhadas na vida. Nem sempre podemos escolher o rumo a tomar e a vida não tem um "drone" para nos mostrar o melhor rumo... Se me permite, e vejo como bem ligado ao tema, guardei um provérbio que li na língua alemã: "Das Leben hat es, leider, keine Betriebsanleitung". (A vida, infelizmente, não tem nenhum manual de instruções).
Abraço
Marco Antonio