A Cigarra e a Formiga Mario Tibiriçá.


A  CIGARRA  E   A   FORMIGA
Mario Tibiriçá

Num  dia de  verão estava a  Cigarra em seu  Jaguar conversível, “verde inglês”, flanando na rua Augusta, quando observa a  Formiga, sua recatada amiga desde a mais tenra idade, próxima  ao meio fio.
Aproximando-se pergunta:

— Como vai formiguinha, há quanto tempo? Saudade, tudo bem com
você?

Formiga arregala seus estrábicos olhinhos e   suas pupilas  se dilatam por antecipação à sua inveja, respondendo sem rodeios:

— Bem?! Como poderia?  Não é mesmo esta,  uma amaldiçoada  vida, um vale de lágrimas, uma  nau sem  porto?!  Ah! Só trabalho duro de escrava, problemas, sofrimento e labuta diária. Filhos pequenos, faxina da casa, supermercados, lavar, passar, e por  ultimo o que  faltava, grandes enchentes no bairro  face a implacáveis chuvas. Por outro lado, ainda de quebra, nos finais de semana, ajudo meu marido Manoel, a atender  o bar.

A Cigarra emudece  e o  espesso silêncio incomoda, embora Formiga
sustente  o olhar.                            

— Sabe querida,  namoro  um  texano, até  bonito. E vamos  passar uma temporada  em  Nova York. Assistiremos  no Lincoln Center: Puccini, Verdi,  Mozart e Wagner. “A vida é uma musica!”  e cantá-la é viver !!!!  Hospedagem no requintado PIERRE!  Muita alegria! Você  teria alguma encomenda, quer alguma coisa de lá?

— Não, não, não quero nada mesmo! - diz  a Formiga amuada.
                                
Como o relógio não dorme, o tempo passou, tênue para  a alegre Cigarra,  porém pesado e terrível para pobre formiguinha.

Meses  mais tarde  as amigas se reencontraram. Cigarra com um remorso branco, ainda mais branco que seu lindo Bentley novo, abraça  Formiga com afeição.

Visto que a mentira não tem  ninho, fala sem pretensão...

— Estou de namorado novo e partindo para Paris, não  poderemos perder a grande temporada de Balet na Ópera....o Plaza Athenè e os seus lindos gerânios  vaidosos que  pincelam de vermelho a Avenue  Montaigne. Quer alguma coisa de lá meu bem?

— Não quero nada não! - afirma Formiga – Mas, gostaria de um pequeno favor. Se encontrar por lá um tal  La Fontaine, mande-o  À MERDA, por favor.

Monsieur La Fontaine repousa desde 1695 no cemitério “Pére de la Chaise”

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