A LUTA POR DUAS VIDAS - Jeremias Moreira



A LUTA POR DUAS VIDAS
Jeremias Moreira

A ultrassonografia mostrou um feto saudável e do sexo masculino. Entusiasmados, os três foram para o escritório do João, onde ele pagou a segunda parcela do acordo.

Algumas semanas antes Ivete sentira um nódulo no seio. Atribuiu a mudanças no corpo por causa da gestação e não deu importância. Voltou a sentir o nódulo, novamente, alguns dias depois da ultrassonografia e resolveu ir ao médico. Quando ouviu o prognóstico soube que tudo mudaria. A principio entrou em pânico, precisava do dinheiro. Depois, mais calma, resolveu partilhar com o casal. 

Cabeleireira, Ivete nutria o sonho de ter o seu próprio salão.  Caçoava ao dizer que na sua profissão tinha-se que ser um pouco psicóloga. As mulheres que atendiam sempre contavam suas queixas pessoais. Certo dia ouviu o desabafo de Valéria. Ela possuía uma deficiência uterina congênita e estava impossibilitada de ter filhos. Tanto ela como o marido queria muito ter um. Abaixou o tom da voz e confidenciou que decidiram contratar uma barriga de aluguel e utilizar a técnica de fertilização in vitro.
— Aliás, o nome correto é Doação Temporária de Útero. - disse - É ilegal, mas estamos dispostos a pagar para uma pessoa “doar” seu útero.

Na hora Ivete não se tocou. Mais tarde, a fala da Valéria ficou martelando na sua cabeça. Procurou se informar e descobriu muito sobre o assunto. Inclusive que preço por essa prática girava em torno de duzentos mil.

Uau! Uma boa grana. Pensou na possibilidade de se oferecer para a empreitada. Era uma baiana bonita, alta, com vinte e seis anos, saudável, não fumava, não consumia drogas e bebia ocasionalmente. Morava sozinha em São Paulo e não tinha namorado fixo a quem dar satisfação. Enfim, tinha todos os requisitos para cumprir a função e essa era a grande chance de conseguir capital para montar o seu negócio. Ligou para Valéria e se ofereceu para “doar” seu útero.

— Topo ser a barriga de aluguel! – brincou.

Valeria gostou da ideia e a convidou para um encontro, na mesma noite, com a participação do João, o marido. Combinaram o preço de cento e oitenta mil reais pagos em três vezes. Antes, fariam todos os procedimentos legais e clínicos e se tudo estivesse bem, tocariam em frente. A primeira parcela seria paga no dia da fertilização, a segunda na ultrassonografia e a última, após o parto. Fizeram um pacto de sigilo quanto ao pagamento.

Tudo caminhara muito bem até aquele instante, em que ouviu do médico a trágica notícia. Os exames que ele pedira confirmaram o câncer da mama. Os hormônios da gestação estavam alimentando o nódulo e ele crescia rápido. Como o grau de gravidade do tumor era avançado, o obstetra informou que a gestação teria que ser interrompida.

Para Ivete, a pior notícia, não foi o diagnóstico da doença, mas a da interrupção da gravidez. Foi um verdadeiro choque saber da necessidade do aborto terapêutico. Por isso entrou em pânico. Além da decepção do casal seu sonho se esvaia. Ligou para Valeria e João. Reuniram-se. Ela expôs a situação e mostrou-se decidida a ir até as ultimas consequências. Sua determinação, aliada à do casal, levou-os a pesquisar para ver se encontrariam casos semelhantes, bem sucedidos. Numa consulta ao computador, encontraram um caso. Descobriram o obstetra e foram atrás.

A partir daí, começou a luta de Ivete para sobreviver junto com o bebê. A coexistência dos dois processos antagônicos no seu corpo, um que conduz o organismo à morte e a gravidez, que leva à formação de uma nova vida, a direcionou para um campo de batalha.

Como toda a pessoa que tem câncer e passa pelos tratamentos agressivos, Ivete sofreu com os efeitos colaterais. Teve anemia, baixa na imunidade e precisou realizar transfusão de sangue. Além disso, sofreu os efeitos comuns da quimioterapia, como queda dos cabelos. No entanto, isso foi secundário, já que a criança pulsava e crescia dentro dela, a cada dia.

Aos sete meses da gestação, foi necessário interromper a quimioterapia para recuperar a imunidade, tanto a do bebê quanto a dela. No entanto, com a pausa do tratamento percebeu-se a reativação do tumor, que voltou a crescer. Então, o parto teve que ser antecipado.

Pedro nasceu prematuro. Um bebe perfeito. Os três explodiram de felicidade. Valeria e João por conseguirem o tão sonhado filho. Ivete por ter vencido a primeira batalha e gerado uma vida. Porém, ficou o vazio. O apego que desenvolveu em relação à criança foi um poderoso combustível que lhe deu forças. Agora, sobrava só ela e a doença.  

Durante a cesárea, aproveitou-se e fez-se a mastectomia. Depois ela enfrentou mais oito ciclos de quimioterapia junto com radioterapia. Passou maus bocados, mas acreditava que os demônios que nos perturbam nunca conseguem derrotar os anjos que nos protegem. Como baiana arretada, Ivete aguentou o tranco e venceu a segunda batalha, também.


Hoje, passado um ano, isso tudo é história. Ela está completamente curada e, todos os dias, comanda o IVETE’S BEAUTY SALON.

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