DESTINO DE UM ESCRAVAGISTA
Oswaldo Romano Capítulo I
Benedito, nunca assim chamado, atendia de pronto o Coronel Botelho, quando ouvia: “Ditoooooo...”
Quase um grito rebelde
eclodia pelo campo,
pondo os demais escravos de orelha em pé. O pensamento era um só: seria eu o próximo?
Sabiam que Dito seria colocado no pelourinho e apanharia até contar tudo que teria aprontado. Negro valente, era conhecido como quem apanhava, engolindo suas dores.
Ninguém nunca o viu demonstrando medo.
Mas desta vez a coisa foi
diferente. O Coronel Botelho depois de acoitá-lo com demoradas e violentas chibatadas, descarregando seu barril de ódio, só parou
quando o viu banhado pelo sangue,
e virando os olhos. Mostrava o branco do globo ocular, um contraste com sua
luzente pele negro.
Mandou dar-lhe um banho de
Sabão de Alepo, usando escova de cavalo, e raspadeira de alisar boi nos seus cascudos pés. Iria se desfazer daquele que, como um cachorro selvagem o desafiava.
Com um laço que o próprio Dito trançou, amarrou o coitado numa ponta, folgou algumas
braçadas, prendendo firmemente no arreio do seu alazão a outra. Seria puxado como um animal, até a praça do leilão.
Carrancudo, tomado de ira
que o fazia desfigurado, o Coronel montou,
e cavalgando tomou o rumo do mercado, onde venderia seu escravo.
Coronel Botelho, além do Rabo de Tatu, carregava o pequeno berrante.
Ao toque, trotava o cavalo, obrigando o escravo acompanhá-lo.
A valentia do Dito tinha limites. Mal alimentado, sua pele escondia a palidez que carregava.
Tantos foram os toques daquele berrante,
que o negro não resistiu.
Desabou!
Arrastado no caminho de
pedras e poeira, o alazão sentindo o peso, empacou. O Coronel levantando
o chicote, ao mesmo tempo em que batia, cravava-lhe as esporas.
Suando,
descontrolado,
deu com o chicote no focinho do cavalo. O alazão sentiu, tentava expulsar o freio que o machucava.
Foi o derradeiro. O animal
levantando a ancora arremeteu com as duas patas violento coice no ar. Empinou
rinchando em fúria, momento em que o coronel se deu conta do Dito, vendo-o caído. Estava inerte,
envolto por um lençol de sangue.
Desorientado, pulando do
alto alazão, enroscou o pé no
estribo. Seu corpo sofrendo o impacto, como um pêndulo,
foi jogado violentamente de cabeça, batendo no chão pedregoso.
Muito ferido, escorrendo
sangue pelo rosto, tentou levantar-se.
Apenas conseguiu, com a vista muito embaçada, ver seu escravo. Apavorado com o que viu, na certa a senzala iria se revoltar. Faltou-lhe ar, sentiu uma pedrada no peito,
encolhendo-se, quedou-se ali balbuciando:
Meu Deus! O que foi que eu fiz! Eu queria… nesse momento soltou-se
o enrosco do estribo.
O alazão olhando-o impávido assistiu seu último suspiro.
Benedito
fez o que veio a mente. Livrou-se. Montou no animal e sem olhar para trás iniciou sua desejada
fuga, num trote acelerado.
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