Maria
Comprida
Vera Lambiasi
1ª
Parte
Nascida de família simples lá do
interior do Paraná, Maria sempre foi bonita, metida, e sonhava com a riqueza.
Seu corpo longilíneo a levou às
passarelas, e o disputado mundo da moda.
Soberba, não dava ouvido aos pais,
nem aos preceitos da religião deles, o catolicismo.
Cuidava de sua própria vida, e só.
Aos 16, mudou-se para Curitiba, onde
estudava, modelava, e vivia cada vez mais enfurnada em sua solidão.
Arrogante, não gostava de receber
ordens, e tinha para si ser a melhor manequim da agência.
Fazia desfiles, tirava fotos, e
sentia-se autossuficiente perante sua família, nunca pedindo sequer um favor.
Os parentes sofriam com a falta de
humildade de Maria Comprida, apesar do sucesso na mídia.
Acabado o colegial, partiu para Nova
York, deslanchando a carreira internacional.
Estava no casting das melhores
marcas mundiais.
A família foi saber da mudança pelos
jornais.
Famosa, nariz empinado, dizia nas
entrevistas não ter sido ajudada por ninguém.
Seu coração de pedra ainda não havia
encontrado um amor verdadeiro.
Não sentimentalizava sua existência,
fazia sexo amigável, e pouco envolvente.
Magra de ruim, foi pega de calças
curtas no primeiro inverno rigoroso.
Adoeceu, e de pneumonia avançada
jazia só em seu pequeno apartamento.
Seu ego gigantesco a impedia de
clamar por ajuda aos vizinhos.
Estes, só a tinham como a moça
esguia que batia forte a porta do prédio quando entrava.
Atrás dela, os murmúrios de
desaprovação enquanto passava impávida.
Delirando sozinha, ensopada em
suores, começara a gritar de desespero. Não a Deus, que nunca a acolhera, mas
ao serviço de saúde.
Foi ouvida por Matthew, advogado
atraente do apê da frente, que correu chamar uma ambulância.
Com a chegada dos paramédicos,
acompanhou-a ao hospital, preencheu fichas, apresentou-se como amigo da
paciente.
Maria mergulhou em sono anestésico
por dois dias.
Acordada e fortalecida, finalmente
começou a agradecê-lo. E, dada a alta, voltaram para casa.
Maria ainda engatinhava num árduo
caminho de gratidão, quando Matthew convenceu-a a ligar para os pais dando
notícias.
O rapaz, aos poucos, abria o coração
de Maria para um novo mundo.
Daí, para o romance entre os dois, foi
um pulinho.
Vencido o primeiro ano de aluguel,
decidiram morar juntos, para economizar.
A família de Maria só tinha a
endeusar Matthew.
2ª
Parte
Conheci Maria Comprida em Nova York,
ambas nos preparando para a mais famosa maratona do mundo.
Treinávamos lado a lado no Central
Park quando tropecei na raiz de uma árvore.
Faltavam três semanas para a prova e
me desesperei, achando que teria de desistir antes mesmo de tentar.
Xinguei em português bem alto e
pornográfico, e só Maria compreendeu, me acudindo às gargalhadas.
Tínhamos vinte e poucos anos, e logo
nos tornamos amigas.
Insisti muito para Maria seguir seu
treino naquele dia, mas ela me convenceu a não ser orgulhosa, e aceitar que me
levasse tirar uma radiografia.
No final, era só uma torção. Coloquei
gelo, pomada, tomei remédio, e depois de três dias já começava a caminhar.
Foi no hospital, aguardando pela
consulta, que Maria me contou o quanto era arrogante com os pais, e as lições de
humildade que teve com Matthew, seu namorado, no dia que o conheceu. Ou melhor,
dias e dias de vigília dele quando ela teve a primeira crise de bronquite.
Ela fazia corridas diárias pelo
parque como parte do tratamento. E a primeira maratona era sua meta.
Curada do meu pé, nos preparamos
juntas para o grande dia.
Largamos lado a lado, como no dia
que nos conhecemos, e Matthew, ansioso, era o nosso único torcedor na fria
manhã de outono, naquela multidão.
Fomos vagarosas, ela com sua
bronquite, eu com minhas limitações. Nos perdemos por vários quilômetros, num
vai-e-vem engraçado, para nos encontrarmos na chegada, extasiadas.
Matthew era pura alegria ao avistar
a amada.
Maria Comprida ainda tinha um pedido
a me fazer neste dia. Queria que eu a acompanhasse ao Brasil, à casa dos pais,
no interior do Paraná.
Prontifiquei-me a ir nos feriados do
Natal, quando visitaria minha própria família em São Paulo. Eu trabalhava há
dois anos sem férias, num banco de investimentos, e a viagem seria magnífica
esticando depois para Maraú, na Bahia.
E a mágica aconteceu. Maria, naquele
ano, pediu perdão aos pais, que nem se deram tanta conta dos sentimentos
encubados dela.
Foi para a Bahia comigo, Matthew, e
meu antigo affair americano.
Curou-se completamente da bronquite.
Hoje corremos por puro prazer nas
trilhas do Central Park.
Maratona?
Nunca mais.
Isso é coisa de louco!
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